BACALHAU DELICIOSO OU Não! Não! Não! Com areia não!

Senhorita!

Permita-me informar-lhe que equivocou-se de montaria. Deveria ter escolhido um dromedário para viajar. Sim, aquele que é dotado de duas córcovas. Porque esse camelo que você escolheu não vai levá-la a lugar nenhum.

Aliás, devo também dizer-lhe que a areia a seus pés não é aquela da praia de Copacabana. Mas este lugar chama-se Saara e é um enorme deserto. E enorme não é força de expressão.

Confesso que desconheço o que pretende fazer ou onde pretende ir. Mas posso adiantar-lhe que dentro de poucas horas sobre esse bicho não será possível distinguir quem estará fedendo mais. E posso adiantar-lhe, sem receio de errar, que apesar do forte suor que estará escorrendo pelo seu corpo, não lhe será permitido desfrutar dos três banhos diários. Pois a água, por estas bandas, porque extremamente escassa, é usada estritamente para beber.

Perdoe-me, também, pela intromissão. Mas tenho certeza que não lhe contaram sobre os hábitos dos beduínos deste deserto. E, provavelmente, também não lhe disseram que você aqui está valendo pouca coisa mais que o camelo que está tentando montar.

Tentarei explicar-lhe: nestas paragens uma mulher bem gorda pode chegar a valer quase o equivalente a vinte camelos.

Ou seja, nestas contas áridas e desérticas, considerando-se que um camelo de primeira linha, boa estirpe e envergadura custa algo em torno de quatro mil dólares, chega-se à óbvia conclusão que se você for excepcionalmente rechonchuda e apetitosa poderá ser facilmente comercializada pela astronômica cifra de oitenta mil dólares.

Admita francamente que você nunca pensou que pudesse valer tudo isso!

Perceba também que foram inúteis todos aqueles sacrifícios para seguir aquelas estertoradas dietas. Porque somente com esse pequeno sobrepeso, você deverá contentar-se com uma quantia sensivelmente menor. Posso assegurar-lhe que nenhum beduíno que se preze daria por você mais que dois ou três camelos.

Não sei se a perspectiva lhe agrada, mas é sempre melhor que ser uma magrela endêmica e não valer nada.

De qualquer forma terá que resignar-se. E, para procurar sair dessa enrascada em que está metida, como você não se chama Sherazade e nunca soube contar histórias, melhor será que aprenda a fazer qualquer coisa útil. Como cozinhar, por exemplo.

Porque, por mais incivilizado que seja o beduíno que lhe capturou, você poderá conquistá-lo facilmente pelo estômago.

Por isso mesmo, procurando colaborar decisivamente para minorar seu infortúnio, permita-me abordar a feitura de um prato especialmente saboroso.

Como a minha especialidade são os frutos e legumes do mar, de todo ausentes e distantes destas cálidas areias, procurarei fixar-me num universal, inesquecível e cativante bacalhau que, bem preparado, além de agradar a gregos e troianos bem poderá enfeitiçar um beduíno do deserto.

Você poderá adquiri-lo com facilidade em qualquer supermercado, digo, junto a uma boa tenda de mercador. Procure escolher aquele denominado Porto, alentado e de boa espessura.

Deixe-o repousar em água gelada, com a pele para cima, por quarenta e oito horas, trocando várias vezes o líquido. Coza-o, depois, por dez a quinze minutos.

Prepare, agora, um molho que incluirá uma boa quantidade de cebolas em rodelas que serão fritas em generosa porção de azeite. Acrescente igual volume de tomates picados sem pele ou sementes.

Tempere a seu gosto. Quando tudo adquirir uma boa textura, cubra com molho as postas reservadas, regue com mais azeite, acrescente algumas azeitonas e leve ao forno até que o conjunto borbulhe. Algo em torno de dez ou quinze minutos.

Sirva com batatas cozidas e arroz.

Garanto-lhe que não há beduíno que resista.

Mas se tal não acontecer, se o estômago não for o forte dele, perdoe-me, mas aconselho-a a fazer o que todas as mulheres tem feito desde o início dos tempos. Esqueça o fato que ele não toma banho há mais de ano. E nunca lhe contaram que os dentes também se escovam. Mas acredite! Ele está acostumado com os odores naturais do corpo e, vai adorar seu bafo de onça e amar sua catinga. Afinal de contas, antes você que uma camela. E ele já está farto delas.

Despreocupe-se, relaxe e procure caprichar. Daqui de longe não posso garantir. Mas, geralmente dá certo.

Entretanto se nada disto for verdade, se a areia a seus pés for a de praia onde quebram deliciosas ondas de mar, tudo que escrevi não vale. Procure um bom restaurante e peça um bom bacalhau a portuguesa. E, na hora de pagar poderá esquecer esta ou desconhecer qualquer outra história.

Porque desnecessário será saber conta-las. Pois eles costumam aceitar todos os cartões de crédito.

Cumprindo promessa e, atendendo um pedido da Camila.