Minhas desventuras em Nova York I ou como tomar um bom banho quente
Cansado de viajar apertado, receber refeições gomosas e permanecer forçadamente sóbrio todo tempo, resolvi voar de primeira classe.
E, procurando safar-me daqueles hotéis embolorados e entupidos de gente apressada e barulhenta, pedi que me reservassem algo cinco estrelas.
Por esse motivo, logo ao chegar em Nova York, vivenciando a temperatura do congelador da minha geladeira doméstica (quatro graus negativos), levaram-me ao Waldorf Astória.
Consegui subir ao apartamento. Gelado e desesperado por um banho quente.
Pelo tamanho do hotel de mil andares e que ocupa um quarteirão, imaginei as dimensões do aquecedor central. Porque quero água abundante. E bem quente. Por quinze minutos seguidos, para começar.
Tiro rapidamente a roupa. E entro na banheira.
Pelado descobri que não era fácil fazer funcionar o chuveiro.
Havia um complexo mecanismo encimado por uma semibola de material branco que podia ser girada para ambos os lados. Ela exibia duas letras maiúsculas H e C.
Somente muito mais tarde vim a descobrir que constituem as iniciais de duas palavras da língua inglesa Hot e Cold. Uma quer dizer quente e outra frio.
Mas isto neste momento é de todo irrelevante. Pois você pode gira-la para qualquer lado que nada acontece.
Impaciente e já semi-enregelado você percebe que há outros sinais de escrita mais em baixo: pull-on e push-off. Muitas tentativas posteriores deu para descobrir que a tal bola branca , além de girar para ambos os lados pode ser concomitantemente puxada ou empurrada. E, quando acionada, fazendo-se ambos os movimentos aparece água.
Não onde você quer, é claro, pois do chuveiro não cairá nenhuma gota. Mas a água sairá embaixo, aos seus pés, por uma espécie de torneira que enche rapidamente a banheira.
Apesar de endurecido de frio passo a conjeturar: se água existe e jorra abundante, meio caminho já foi percorrido. Depois de outros exames e estudos, descobri que na parte inferior desse mecanismo existia um pino. Que logo percebi não se tratar de enfeite. Porque ele também pode ser puxado ou empurrado.
Um exame mais acurado do dito pino revela que de um lado está escrito push e do outro shower. O que complica um pouco as coisas é que ele sempre retorna à mesma posição quando acionado.
Com gélida paciência descobri que quando a água jorra forte –mas somente nessa hipótese -, se você empurra-lo ele permanecerá embutido. Ou seja, quando a água está jorrando, se você empurrar esse pino, a água para de sair pela torneira do banheiro e passa a sair pelo chuveiro.
Nessa hora é preciso extremo cuidado porque por estas bandas não existe água morna. Pelo que vim a saber ou ela desce fervente ou super gelada. E, se você estiver debaixo do chuveiro tentando entender e ligar essa parafernália toda não irá gostar de nenhuma dessas opções.
Mas finalmente consegui acertar tudo. A água é quente e abundante como eu gosto.
Difícil será tira-la da banheira onde se acumula. Porque ainda que ralo exista ela não desce. Há um outro mecanismo que o guarnece mas ele não atende faça o que você quiser.
Saio molhado da banheira.O frio parece mais intenso. Pego o telefone à cabeceira da cama
Falo rápido. Telefonista. Como faço para esvaziar a banheira?
What? Do you bororó?
Desisto. E desligo. Esqueci que ela não entende português.
Corro de volta. Desligo o chuveiro que me obedece. E permaneço imerso e quieto no interior da banheira de água quente. Porque mereço.
Amanhã a camareira com certeza saberá livrar-se dessa água toda.
Permita-me finalizar estas linhas com um lembrete.
Para você que como eu é jejuno em inglês, quando encontrar em algum lugar a expressão “push”, não tente puxar porque não vai funcionar. “Push” em inglês, aprendi na prática, não no dicionário, não quer dizer puxe, mas, absurda e incompreensivelmente, empurre.
Coisa do demônio. Ou do primeiro mundo. Não consegui descobrir.