*Painho, o senhor sumiu! - Coisas que só acontecem comigo - XVI

Painhio, o senhor sumiu

Coisas que só acontecem comigo - XVI

Quando o Governo do Estado de Sergipe iniciou, à revelia da Prefeitura de Aracaju, a construção dessa belíssima orla marítima da capital, eu estava lá, dando minha parcela de contribuição.

Certo dia, ao chegarmos ao trabalho, próximo aos Arcos, surgiu assim, ‘do nada’, como se diz, um desses “meninos de rua” que, apesar de seu aspecto sofrido, era especialmente bonito. Vestido apenas com um short, tinha cabelos compridos encaracolados, pele negra brilhosa e olhos amarelos esverdeados e aparentava uns seis anos de vida. Mostrava-se arisco e esperto, mas não imaginávamos que fosse extrapolar.

Aproximando-se de mim, segurou minha mão com incrível intimidade e disse:

– Painho, o senhor por aqui! Mainha estava reclamando que o senhor sumiu pra não pagar a pensão...

Os meus auxiliares prorromperam numa gargalhada sem fim. Na verdade, o caso fora excepcionalmente engraçado, para não dizer constrangedor. Sendo aquele garoto meu filho, a genética teria passado por uma transmutação sem antecedentes. Eu, pelo menos, não teria como acreditar nessa evolução repentina.

Num ato impensado, perguntei:

– “Meu filho”, como é o nome de sua mãe e onde está ela?

Se os meus amigos já não se continham de tanto riso, o que veio em seguida foi o divisor de águas entre a estupefação e o absurdo ritmado.

– Painho, o senhor quer dizer que não sabe o nome de mainha? Daqui a pouco, o senhor vai dizer que não sabe nem meu nome!...

“Esse moleque não é de Deus! – pensei comigo – Como pode esse filhote de capeta ser tão expressivo e convincente em suas palavras?”

Nós nunca o tínhamos visto antes. Os rapazes que trabalhavam comigo há bastante tempo, conheciam minha família, sabiam de minha vida. Agora me aparece aquele “encosto”, com uma incrível capacidade de encalacrar as pessoas.

Imaginei se aquilo acontecesse num domingo e eu estivesse passando ali com minha mulher e filhas, pois era nosso caminho, e me ocorresse aquele drama. Seriam dois enterros: o dele e o meu.

- Não, meu garoto, eu , de fato, não sei quem é a sua mãe....

Em seguida, ele tomando-me pela mão e badalando o tempo todo que nem uma matraca, levou-me a um quiosque, a uns cem metros dali, que em breve seria demolido pelas obras. A mãe dele estava lá.

Era uma senhora que, no passado, deveria ter tido alguma beleza, pois ainda lhes restavam alguns traços. Mulher sofrida, coberta com roupas toscas, que vivia abrigando-se com o filho pelos escombros e pardieiros da cidade. Ao avistá-la, o garoto já foi gritando:

– Mainha, encontrei painho!

– Senhora, bom dia! Como é mesmo essa história que o garoto está falando?

Nossa! A mulher não gostou nada do que ouviu e despejou rápido e rasteiro:

– Ligue “presseminino” não, moço! Todo “traste” que ele vê, pensa que é o pai dele.

Não sei se o alívio que senti foi maior que a frustração, mas o certo foi que retornei sem o filho e quando contei aos rapazes que eu era um traste na visão da mãe do menino, foi aí que o mundo desabou de vez...

São coisas que só acontecem comigo.