POLENTA COM CARNE MOÍDA OU DISCURSO NÃO ENCHE BARRIGA
Tempos atrás fui convidado para comparecer a uma solenidade numa cidade próxima. Seguir-se-ia um jantar.
Quanto é a adesão, perguntei ?
Nada. É grátis, informaram-me.
Fui.
Discursos adoidados por três horas seguidas, até as dez da noite.
Ao término abandonei rápido o recinto e, ao chegar ao restaurante, encontrei-o ainda totalmente vazio.
Garçom. Qual o prato do jantar?
Polenta, foi a educada resposta.
Sem brincadeira moço!
Com carne moída em molho de tomate, completou.
Não acredito!
É que a verba para o jantar é pequena. Foi o que pediram e o que deu para fazer.
Mas se o restaurante está funcionando posso pedir pelo cardápio?
Não, meu senhor. Hoje o restaurante só vai atender os convidados e a cozinha está fechada.
Desolado ousei perguntar. E bebida?
Cerveja, refrigerantes e águas, pagos à parte.
Algo destilado?
Perdoe-me, cavalheiro. Não há ninguém no caixa do bar. Não tenho autorização para servi-las.
Traga-me, então, uma cerveja, resmunguei. Bem gelada.
Veio morna. Acompanhada de copo de plástico.
Os convidados começaram a chegar. Devagar, como se estivessem num piquenique. E levaram quase uma hora para se acomodar em seus lugares.
O “couvert” foi servido. Pão, maionese e vinagrete.
Quando me pareceu que tudo estivesse pronto para a largada, estômago já retorcido pelo jejum forçado, a maior personalidade presente levanta-se e resolve tecer seus últimos comentários. Falou pelo que tempo que quis, foi bastante aplaudida e depois secundada por um sem número de presentes que igualmente pediram a palavra, para repetir o que já tinham dito ou aquilo que todos já sabiam.
O jantar pelo que pude sentir não tinha qualquer importância e podia esperar.
Lancei-me freneticamente aos salvadores pãezinhos. Consegui comer dois, murchos e mal dormidos, com água envinagrada, pois a maionese parecia uma gosma amarelada e, tive receio de enfrenta-la. Só não dei cabo dos outros porque meus companheiros de mesa vendo-me dar inicio à sessão gustativa resolveram seguir-me e se anteciparam ao meu intento.
Quando o jantar finalmente foi servido passava da meia-noite.
A polenta estava morna e com as bordas levemente queimadas. Não resistiu, com certeza, a nefasta temperatura do forno ao ser requentada.
E, a carne moída que lançaram no meu prato, coalhada de grumos e mergulhada em perceptível extrato de tomate, além de fria, decididamente não estava com boa aparência. Mas era a guarnição perfeita para acompanhar aquela elástica polenta.
Nessa hora, indignado, resolvi protestar. Nada posso fazer se nesta madrugada resolvem servir-me esta estrumela. Mas quero-a quente, pelo menos. Mas não havia a quem reclamar, pois os garçons haviam desaparecido por completo.
Sem alternativas, permaneci quieto como me competia a contemplar furtivamente uns e outros a dar início à empreitada gastronômica. Alguns, em pequeno número, mal beliscaram o prato. Outros, todavia, mais afoitos, e em absoluta maioria, lançaram-se com gosto e afinco à tarefa, sorvendo com indisfarçavel sofreguidão aquela inominada gororoba.
A sobremesa veio num pequeno copo plástico. Consistia numa gelatina encimada por um creme de sabor indefinido. Talvez coco ou laranja. Quem sabe até chocolate. Ou uma mistura deles, não deu para descobrir.
Não tive coragem de arriscar o café. Era servido à saída e percebi tratar-se de um caldo bem escuro e espesso, a parecer tivesse sido feito há horas, quando do começo daqueles intermináveis discursos. E, com certeza, como constitui regra, devia estar melado.
Retornei pensando. Não perdi a viagem. Ao contrário, acredito haver recebido verdadeira lição de vida. Igualmente grátis.
Nunca mais compareci a qualquer almoço, jantar ou solenidade sem estar convenientemente munido com bebida destilada acondicionada em pequenas embalagens próprias para essas emergências. Desarmado não vou mais nem em festa infantil.
E, como não é de bom tom levar marmita, costumo ir com o estômago ligeiramente calçado. Um sanduíche que seja, se não dispuser de tempo. E, se puder, levo nos bolsos balas e chocolates, que também ajudam. Sei por experiência de longos anos de sofrimento, que nessas reuniões jamais são servidas iguarias de relevo e nunca haverá nada a lamentar, caso se perca o apetite.
Agora, um conselho. Se puder resistir, não vá. Use toda sua imaginação para inventar uma boa desculpa. Diga que está com dor de ouvido, que seu cachorro quebrou a pata, que furtaram seu carro, que nasceu seu terceiro filho ou que sua casa da praia está em chamas.
Mas se a situação for extremamente grave e você tiver a certeza que a noitada será horripilante, não hesite. Capriche nas escusas. Diga que sua sogra morreu e você deve leva-la para que seja embalsamada, que está em êxtase porque sua mulher fugiu com o vigia do prédio, que não sabe como, mas foi acometido por súbita e galopante pneumonia infecciosa. Ou mande alguém dizer que teve um fulminante ataque nas combalidas coronárias e sequer pôde avisar porque foi levado às pressas para a UTI.
Minta, se necessário for, tranqüila e despudoradamente, que é por uma boa causa. Ou, se não houver qualquer outra alternativa, utilize-se do infalível remédio: pague, resignado, o que pedirem. Diga que está muito barato e compre dois ingressos se preciso. Mas não vá que você só tem a ganhar.