SOPA CREME DE ERVILHAS COM BACON OU FAZ ESSE FEITIÇO QUE EU GOSTO

Se você já tentou tudo, se cansou de fazer experiências, procurou usar as mais diversas técnicas, leu uma quantidade enorme de livros e nunca obteve qualquer sucesso nas lides culinárias, sequer conseguindo fritar corretamente um ovo, espero possa dar-lhe um conselho de significativa utilidade.

Quando for renovar seu instrumental de cozinha compre um bom caldeirão, de preferência de ferro, com apoio em três pés e dotado de uma boca mais estreita do que a parte mediana mais bojuda.

Não são difíceis de encontrar e há milhares de anos são usados por todas as bruxas e feiticeiras.

Está claro que somente este especial caldeirão não será suficiente para resolver seu problema. Mas talvez você possa, invocando os eflúvios litúrgicos, conseguir preparar algo que preste. Porque, não duvide, cozinhar sempre foi um ritual.

E, procurando colaborar nessa mágica iniciação, vou fornecer-lhe a receita de uma poção, digo sopa, que considero verdadeiramente encantada.

Você vai fazer um caldo cremoso de ervilhas com bacon de deixar qualquer duende enfeitiçado. Sem que seja preciso fazer qualquer pacto com o demônio ou para ele vender sua alma. Igualmente não precisará empregar o sangue de ninguém nem fazer sacrifícios de quem quer que seja.

De toda conveniência, todavia, a observância de algumas poucas regras.

Se você não contar com nehum calabouço disponível em sua casa, leve o panelão que comprou para a cozinha mesmo. Outrossim, espere uma noite de lua cheia. Deverá, ainda, acender, além do fogo, é claro, algumas velas e, concentrar-se buscando evocar a inspiração das deidades. Muito importante será, a todo custo, afastar de perto a orfandade dos espíritos jejunos em culinária.

Não permita também que zumbis, vampiros, urubus ou gatos pretos possam perturbar o ritual que vai se iniciar. Perca o tempo que for necessário mas espante-os todos.

Sómente quando tudo estiver a contento acenda uma boa fogueira e ponha encima dela o caldeirão. Quando estiver a arder coloque nele uma boa quantidade de bacon em pequenos pedaços. E acrescente alho e cebolas picados.

Cuidado com o fogo que é forte e não há como regulá-lo. Antes que os temperos queimem coloque água. Enquanto espera ferver, perceba que você já conseguiu a integração de três dos quatro elementos primevos: água, fogo e ar. Nem o toicinho nem os temperos contam nada nesse cálculo de bruxa.

Em seguida, quando tudo estiver a borbulhar acrescente uma boa quantidade de ervilhas secas. Espere por um bom tempo. Nesse interregno, se souber, diga algumas palavras evocativas, ou tente produzir algumas vibrações benignas para afastar os espíritos que protegem os carrinhos de lanches que pululam em todo lugar.

O conjunto adquirirá uma coloração verde e uma textura pastosa. Não se preocupe que é assim mesmo e seu procedimento até aqui foi primoroso. Agora é que a situação complica.

Como nunca fui bruxo, não sei exatamente qual o método correto que antigamente se usava para amassar isso tudo. Mas penso não constitua qualquer heresia se você usar um moderno liquidificador para fazer o caldo.

Faça isso e depois retorne o líquido espesso que obtiver ao caldeirão. Acrescente um pouco de creme de leite fresco para emulsificar a mistura e salsinha pulverizada. Prove, acerte o sal e os temperos usuais.

Sente-se, agora, confortavelmente à mesa. Apague aquele enjoativo incenso que não combina com comida. Desnecessário será, também, fazer qualquer oferenda aos deuses.

Sua única preocupação será concentrar-se no delicioso caldo à sua frente. E, se estiver bom, sorte sua, porque você fez um gigantesco caldeirão dele.

Entretanto, se seguiu todas as recomendações e, ainda assim acabou por preparar uma gororoba horrível e sem nenhum sabor, é que decididamente a mandinga que lhe endereçaram é muito forte. E, não haverá remédio a não ser subir na vassoura ao lado e tentar ir para bem longe, porque seu destino não será outro que arder eternamente no fogo do inferno.