LIBERTANDO-me das incomodações

Havia feito cem sessões de Terapia; cinquenta de Psicanálise; ficado uma quarentena no hospício; mas nada, ratifico nada mudou minha forma de pensar. Então a solução foi continuar empurrando a vida em meio à bala perdida; traficantes oferecendo-me os papelotes; mirando as putas levantarem as saias; assistir casamentos entre homossexuais; à tarde ligar a TV e assistir o Datena com o vermelho característico do sangue na tela; as quartas e domingos o fracassado futebol que dizem ser do novo Brasil; inteirar-me da corrupção do Lava-Jato (dessa fui salvo, tenho um fusca 69 que se não for sujo, não sai do lugar) e mais algumas coisinhas miúdas do cotidiano. Nada que atrapalhe o meu mal estar. Confesso, sou azedo! Vomito ácido.

Domingo. Levantei numa rebordosa dos Diabos e com ela, queria porque queria sair fora de mim. Isso mesmo: sair fora de mim o mais rápido possível e ir no mínimo, até o meio do mundo. No fim do mundo já tinha ido. Conheço Ushuaia, La tierra de los Hermanos y del Fuego. Voltei abismado com o fogaréu; na época estava chegando à Casa Rosada. Havia, inclusive, incinerado a Cristina kirchner. Nem imagino como está agora.

Também conheço o início do mundo, que é a Terra do sol nascente; como durante o período que estive lá só chovia e ninguém abriu os olhos, antes que clareasse e fechassem os meus: zarpei de volta. Restava-me conhecer o meio do mundo. Olhei o mapa e notei que o meio do mundo está no Equador; mais precisamente na Linha do Equador. Preparei o cerol e coador de pano; podia ser que lá não tenha Melita. Uma vez que estava indo em direção à linha, não ia deixar de empinar a pipa, por causa de coador. Estás de acuerdo? Hola, pregunté!

Quito. Capital do Equador. Não tinha nada a perder, pois enquanto o leitor mantém-se no status quo do domínio intenso e incondicional da esposa, filhos, pensão alimentícia, comendo macarrão com frango com o Faustão aos domingos, etc; eu sou livre que nem pássaro. Portanto, podia realizar o sonho de conhecer o meio do mundo sem maiores chantagens. Pesquisando, verifiquei que há um museu e um observatório sobre as questões geo-cartográficas e assuntos relacionados aos bravos descobridores Alemães que foram aportar-se lá. Feras!

Enquanto aqueles cidadãos fizeram tudo isto; eu aqui numa Faixa de Gaza enrustida e nada modorrenta: bobeou, a bala perdida o encontra. Quanta inveja daqueles cidadãos e descobridores!

Pois bem, sem pensar muito; porque quem pensa demais dá bom dia cavalo, encaixotei as coisas. Queria livrar-me de tudo. Roupas; as joias que nunca tive; calçados; dos enojados livros que nunca possuem palavras que quero ler; doei todos os eletrodomésticos; penhorei o Fusca em nome do bordel o qual frequentava: as putas já estavam riscando as facas no piso de concreto.

Pedi licença para as baratas e ratos, que não queriam sair de jeito nenhum, dando-me o trabalho de acionar o Advogado para intimá-los por carta; doei os cães e gatos para o canil da Prefeitura; desfiz da horta e do pomar; cortei os pés de árvores e toquei fogo na capoeira, matando os carrapatos e piolhos de pombos; mulher e a renca de meninos mandei tudo de volta para onde vieram; enfim, fiz uma limpa. Dei tchau para tudo aquilo e como brinde, um tim...tim e Fui!...

Quando estava saindo, eu acompanhado por mim, noto algo pesado nos acompanhando. Recobrei a memória e notei que era ela e mais algumas coisas. Voltei em casa e fiz o despacho. Arranquei à força, porque não queriam sair de meu interior, a inteligência; o livre-arbítrio; o espirito; a alma; o períspirito; a memória; a mente; a aura energética; a consciência; o saber; o conhecimento; enfim, tudo. Faxina geral; uma limpa em mim. Sai pelado, desnudo.

Encaixotei tudo e coloquei separado do resto. Deixei de lado a caixa enorme com tudo aquilo que importunava-me; levando-me ao hospício. Não esqueço. Pronto! Estava leve, totalmente leve e sem bugigangas para carregar.

Vagava tranquilo, sereno, a ermo e sem consciência pesada e muito menos leve pelo mundo. Qualquer lugar para mim era país. Qualquer inferno era paraíso. Liberdade absoluta e plena. Assim passei pelo meio do mundo, voltei a Terra do Sol Nascente. Retornei à Tierra del Fuego e fui girando. Girando e rodando, retornei ao meio do mundo. Liberdade. Leveza. Eu e mais ninguém.

Fazia décadas e mais décadas que estava na estrada, comendo com maior prazer o pó e, falando espanhol, Inglês ou qualquer idioma, degustando a mulherada que encontrava pelas estradas. Sexo, amor e aquilo depende de língua e não de idioma. Saciando-me do asfalto e da fumaça dos escapes dos pássaros de prata. Até que um dia resolvi voltar ao lugar que deixei. Voltaria no meu extinto pedaço de chão para ver se havia ocorrido alguma mudança significativa. Isto era tudo que queria; não para mim, mas para os meus compatriotas. Regressei.

Como era de se esperar, tudo mudado...para pior, claro! Aqui troca-se o ruim, pelo pior, sempre! Extinguiram os lava rápido por falta de água e no lugar, continuavam na operação Lava-Jato; os programas de TV eram os mesmos; os tiroteios também. Chega! Maldito profeta chamado Sarney, que ao deixar o posto de Presidente disse que estavam “Fritando (deve ser pelo calor da fritura, ele não tenha dito Condenando) ele, mas que ia haver alguém pior do que ele na Presidência; era esperar pra ver”. Aí esta! Chega; paro por aqui.

As coisas perecíveis haviam desaparecido, exceto a caixa enorme com meu cérebro, inteligência, memória, espírito, aura energética, etc; Aquelas coisas asquerosas que perturbava-me no passado. Uma caixa de Pandora, por assim dizer. Examinei tudo e fui saindo, quando ouço: “ei, você se esqueceu de uma coisa”.

- Nada de nada. Esqueci vocês; que imaginava não existir mais. São resistentes, heim?

- Como você é asno! Esqueceu sim, seu jumento manso.

- O quê, a não ser vocês...lesmas mancas!

- Burro de carga, estúpido, animal, você esqueceu de...

- ...de o quê, fala logo, então? Chantagistas é que vocês são.

- Esqueceu de escrever: “Este lado para cima” e direcionar com setas. Burro de carga!

- Falha minha. Perdão! Vou completar com: “Cuidado, frágil”; e coloco seta nos dois lados da caixa, o que vocês acham?

- Agora? Volta para hospício seu jumento relinchador; mas desta vez vai sozinho. Ficamos por aqui. Não passa de louco varrido, querendo nos enlouquecer!

Nada mais me restou a não ser, fazer um “O” ovalado com os beiços e franzir a testa. Nesta hora, vale a humildade. Estas de acuerdo compañeros?

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 03/07/2015
Reeditado em 04/07/2015
Código do texto: T5297933
Classificação de conteúdo: seguro