SÍNDROME do Pânico de VALDEVINOS

Décimo dia do novo ano. Valdevinos, cujo sobrenome é Brasiliano, senhor de pouca idade, prevendo as férias trancou a matrícula, com fortes tendências a político, mandou confeccionar uma camiseta em que mostrava uma foto dele engravatado, deitado e espreguiçando na rede amarrada entre dois coqueiros e o azul do mar no fundo. Abaixo, aparecia em letras garrafais, em negrito bem escuro para contrastar com o branco, a inscrição: “Está decidido: ano que vem vou trabalhar”.

Hora em frente à entrada de indústrias e fábricas, hora no centro da cidade, o cidadão não tirava a camisa que costumou chamar de: “Minha inseparável coqueluche”. Depois de tomada a decisão, ele adquiriu um hábito nada tradicional e polidamente educado, estufava o peito e perguntava as horas para os operários e transeuntes.

- Por favor, que horas são?

- Oito horas em ponto.

- Obrigado!

Passado meia hora, voltava à tona, estufava o peito e perguntava:

- Por favor, que horas são?

- Oito horas e trinta minutos em ponto. Não é você que perguntou a hora meia hora atrás?

- Não lembro-me de sua fisionomia, mas deve ter sido eu. Por que?

- Para quê quer saber a hora se não tem o que fazer? Vai trabalhar somente no ano que vem.

- Verdade! Exatamente isso, que bobagem essa minha! Peço que perdoe-me: tinha esquecido que vou trabalhar só no ano que vem; se Deus permitir e quiser. E ele há de querer e permitir.

Passado meia hora, repetia a mesma bateria de perguntas. Como resposta, ouvia as mesmas coisas que ouviu meia hora antes.

- Acho que estou pegando a alguma Síndrome, porque estou repetindo demais as coisas; se não for Síndrome do Pânico, deve ser síndrome de vontade de trabalhar. Uma coisa ou outra, Deus queira que não seja nada grave e duradouro, mas não consigo parar de perguntar as horas e ver o movimento frenético das pessoas.

Por alguns minutos esquecia; mas com o decorrer do tempo, precisamente meia hora, retornava tudo novamente: “Por favor, que horas são”?

- Nove horas e trinta minutos.

- Obrigado! Foi você dizer a hora, lembrei-me de que não tenho o que fazer; de qualquer forma, agradeço novamente. O senhor foi muito gentil!

- Vai seo Valdevinos Brasiliano! Vagabundo! Pelintra (pilantra)! Malandro mandrião!

- Engraçado, nem preciso dizer o meu nome, que além de saberem qual é, sabem o significado e os sinônimos dele. Daqui a pouco elogiam a minha mãe, também. Como sabem de tudo isto numa cidade tão grande como está? Quase esqueço: por favor, o leitor sabe que horas são? À meia hora atrás, disseram-me que eram nove horas e trinta minutos, e agora? Se não for pedir muito, fale rápido antes que ultrapasse o horário exato. A exatidão, principalmente no cumprimento dos horários, para mim é ato de responsabilidade; e isso é tudo. O cumprimento dos horários é um dos atributo da responsabilidade.

Continue rindo. Leia também o conto “Aprendiz de Diretor”.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 04/04/2015
Reeditado em 13/04/2015
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