O NAMORADO VINGATIVO
 
 
 
                    Há muitos tempos atrás, coisa de setenta ou oitenta anos, o uso do papel higiênico era quase que restrito aos coronéis endinheirados, intelectuais, juizes, professores, advogados famosos, militares de altas patentes na corporação em que servia, enfim, da casta sociedade. Os pobres coitados que trabalhavam na lavoura, na roça, nas construções civis ou nas obras públicas, na hora de limpar o bumbum o faziam com jornais velhos, folhas de todas as espécies de árvores ou arbustos. Alguns, os chamados remediados usavam o famoso papel de pão. Esse era uma beleza. Bem melhor do que ortigas ou ortiguentas. Há! Há! Há!.
                    A nossa prosa começa aqui.
                    Um jovem trabalhador da prefeitura de uma cidade do interior engraçou-se com uma jovem filha de um desses coronéis. Meio timidamente iniciaram um romance que foi se firmando aos poucos. A moça apaixonada insistiu com o namorado pra ir firmar o compromisso de casamento diante dos seus pais, como era o costume da família. O rapaz pobre como era não via como os pais da moça iriam recebê-lo. Passado algum tempo, depois de tanta insistência, ele que conseguira juntar umas parcas economias resolveu que seria o momento de pedir a mão da namorada em casamento.
                    No dia e horário aprazado que tradicionalmente realizava-se com um jantar, estavam presentes as famílias e os convidados e tudo transcorreu normalmente, embora o pai da moça e futuro sogro não estivesse muito de acordo, após conhecerem o rapaz e saber das suas condições sócio econômicas. Mas com educação e elegância o coronel ao recebeu o pedido limitando-se a dizer:
          - Em princípio eu até posso te aceitar como genro, mas isso nós vamos ver a sós, após o jantar, quando teremos a nossa conversa de homem pra homem.
                    Nesse momento o pobre rapaz quase fez cocô nas calças só de pensar como seria a tal conversa. Ao término do jantar foram ao costumeiro cafezinho no grande salão e em seguida os convidados se retiraram. Ficando só as duas famílias o coronel chamou o jovem para conversar no seu escritório. E foi logo perguntando:
          - Por que você acha que eu te aceitarei como genro?
..........- Não sei não seu doutor coronel. Disse o moço tremendo.
....................- A minha filha é única. Aqui nesta casa ela tem todo o conforto do mundo. Compra o que quer. Come e bebe do bom e do melhor. Viaja a hora que quer para o exterior. Enfim, tem uma vida de princesa. E você, o que é que pode dar pra minha filha?
                    Tudo isso o coronel perguntou fazendo aquela cara de bravo e de desprezo ao pobre coitado que respondeu com medo, de coração quase saindo pela boca.
          - Num sei não seu doutor coronel. Eu sou muito afeiçoado com a sua filha e ela de mim também. Mas eu só tenho deis contos de reis guardado; tenho um cavalinho e trabalho na prefeitura, ganhando um salário de quinhentos reis por mês.
                    Esse valor convertido na moeda atual, corresponde respectivamente a R$10.000,00 (dez mil reais), as economias guardadas, uns R$1.000,00 (mil reais) o valor do cavalinho e R$500,00 (quinhentos reais) o salário mensal.
                    Após as suas explicações o coronel voltou à tona com ar de arrogância e poder, dizendo:
          - Meu jovem, as economias que você tem e o salário que ganha mal dão pra comprar um vestido e pagar o papel higiênico que a minha filha usa. Pra ser sincero de papel higiênico ela gasta uns quatrocentos reis por mês. Afinal, do que pretende viver? Às minhas custas?
                    O rapaz, pediu licença e saiu sem responder ou dizer mais nada. Desceu as escadarias correndo, não se despediu de ninguém chamou os seus familiares e saíram todos sem falar e sem entender nada.
                    Assim passaram-se anos sem que o rapaz procurasse a moça novamente. Alias, ele evitava encontra-la. Ambos continuavam solteiros, cada um no seu canto. Até que certo dia, quando a cidade estava em festa comemorando o seu centenário, casualmente os dois jovens se cruzaram na porta da igreja. O rapaz parou, fixou bem os seus olhos nos olhos da moça e falou quase gritando:
          - Sua cagona...