A Estória do Carro
Em uma recepção onde amigos confraternizavam, regados a álcool e a tabaco, a conversa fluía conforme o estado eufórico dos presentes. Entre um tema e outro, eis que Jorge, um típico freqüentador desse tipo de evento, resolveu expor um caso, que salientou ser no mínimo pitoresco.
— Fazem alguns anos, não saberia precisar quantos exatamente, mas não são muitos, estive com amigos, não entre os que aqui estão. Resolvemos aproveitar um local paradisíaco que fica não muito distante daqui, paisagem com belas cachoeiras. Na época, estação de calor, o verão no auge, aproveitamos as férias para essa aventura.
Todos escutavam com bastante atenção, mesmo com a música alta que ao fundo se fazia valer no grito. Na paisagem de fundo, uma churrasqueira com carne já não mais prestigiada, um cão pequeno deitado com ar indiferente.
— O fato é que ficamos por lá alguns dias, um final de semana inteiro, bebemos, farreamos, alguns aproveitaram a cannabis, até que chegou o dia de voltarmos para nossa realidade cotidiana. Éramos cinco, ocupando todos os lugares que o carro comportava. Estávamos na estrada, ouvindo o som de um toca-fitas, quando estourou um dos pneus. Saímos do carro em desespero, averiguamos que o proprietário do veículo, Jonas. Não sei se conhecem, já esteve em vários eventos em minha casa. Bem, o Jonas não tinha estepe, saiu sem verificar os itens.
— Nesse momento surgiram diversos comentários.
— Que idiota!
— Mas e aí? O que fizeram??
— Então. Fomos em velocidade reduzida, quando avistamos uma borracharia, dessas que encontramos em beira de asfalto. Encostamos o carro e explicamos a situação ao borracheiro. Quando o sujeito foi providenciar um pneu, nos demos conta que havíamos gastado todo o dinheiro na diversão do final de semana. Ocorreu um momento de preocupação, quase desespero. Dúvidas sobre o que fazer. Resolvemos apelar para a sinceridade, contamos que ocorreu o incidente de estarmos sem dinheiro, que deixaríamos até documentação se fosse necessário, mas que precisávamos voltar de qualquer jeito. Pela situação, as expressões desesperadas, o borracheiro acabou deixando que levássemos o pneu, desde que nos comprometêssemos a retornar em outra ocasião e saudar a dívida.
No instante seguinte ocorreram risadas, exclamações, os amigos presentes começaram a troçar com Jorge, dizendo que nunca souberam de um borracheiro tão solícito. Henrique ainda completou:
— Já ouvi estória de pescador, mas essa aí.
Nesse momento, Jorge disse que precisavam prestar atenção que ainda não havia acabado o relato, fez ar grave e prosseguiu.
— Seguíamos a viagem aliviados, desejando chegar logo em nossas casas, até pelo cansaço causado durante o exagero físico do final de semana. Quando, mais uma vez, Jonas chama a atenção. Disse que o carro estava sem combustível, o velocímetro acusava, a luz da reserva era sinal luminoso.
Nesse momento os atentos ouvintes mais uma vez se manifestaram.
— Esse Jonas, uma vez burro, sempre burro.
— Nunca vi sujeito mais idiota. — Comentou Alfredo.
— Mas escutem. Quando estávamos desesperançosos, avistamos um posto de gasolina, foi a conta de chegar até o local. Paramos o carro, todos descemos com ar depressivo, chamamos o frentista, que prontamente trouxe o gerente. Imploramos, contamos todo o ocorrido, condoídos com nossa situação, abasteceram o tanque de gasolina, pedindo que depois retornássemos e levássemos o valor para saudar a dívida.
Foi quando os amigos gritaram, riram em demasia, chegando ao deboche.
— A do borracheiro já estava difícil de engolir, agora essa do posto de gasolina é pior.
— Juro que é verdade, pergunte ao Jonas ou qualquer dos outros que foram conosco.
— Que lorota, Jorge, deve ser a bebida, ou o que fumaram naquele final de semana que fez imaginarem isso. Comentou entre risos o Onofre.
Foi quando Henrique, olhando para Emílio, que estava calado desde o início do relato, no canto esquerdo da cobertura onde se encontravam, perguntou:
— O que acha dessa lorota Emílio, já que ficou calado o tempo todo, deve ter conseguido observar algo que passou despercebido a nós, até pela sua forma analítica de proceder em discussões?
Emílio, com um olhar perdido no céu de noite estrelada, ficou ainda em pausa por alguns segundos, depois manifestou-se:
— A tecnologia sempre me surpreende, coisa mais fantástica um carro movido a pena.