“DECAMERÃO: a COMÉDIA do SEXO”

Parte 1

CALANDRINO:

Tessa, meu bem querer,

chegue um pouquinho pra cá!

TESSA:

Cê deixe de me atentar.

O homem tá lá pra morrer!

CALANDRINO:

E eu tô doido pra viver!

TESSA:

Não, Calandrino, qué o que?

CALANDRINO:

Tessa, minha querida,

esse é o natural da vida:

comer, amar e morrer

Parte 2

TESSA:

Que falta de sorte!

Mas para tudo existe um jeito.

Já dei nó em pingo d'água,

enfiei beijo em cordão.

Já sequei o mar com a mão,

já fiz o sul virar norte.

Só não dei jeito pra morte.

Mas não desisti 'inda não.

Parte 3

TOFANO:

O que foi? Quer sentar? Eu conduzo assim tão mal?

ISABEL:

O noivo dança com a noiva, é o natural.

TOFANO:

Natural é a natureza, com essa não se discute.

TOFANO:

Contra o sol, o vento, o amor,

não é luta que se lute.

Eu nunca nada implorei,

a amigo ou inimigo,

e palavra não diria

que lembrasse coisa doce,

se a sua beleza não fosse

essa agonia e aflição,

que obriga meu coração,

para não morrer de míngua,

a fazer da minha língua

o arauto dessa paixão.

Parte 4

TESSA:

Pro careca tem peruca,

pro pecado, confissão.

Pro corno existe a ilusão.

Pro pobre, o dia de sorte.

Só não vi jeito pra morte,

mas não desisti 'inda não.

Parte 5

TESSA:

Ninguém aqui traiu ninguém.

Foi tudo só invenção.

FILIPINHO:

Mentira, você quer dizer?

TESSA:

Mas foi com boa intenção.

ISABEL:

E vocês não têm piedade?

Vocês não têm compaixão?

CALANDRINO:

Pior se fosse verdade.

FILIPINHO:

Que horror!

Mas com que objetivo?

ISABEL:

Pra que tamanha maldade?

TESSA:

Pra esquentar vosso amor.

CALANDRINO:

Deixar o fogo mais vivo!

ISABEL:

Assim? Fazendo sofrer?

TESSA:

A gente só dá o valor

se tem medo de perder.

FILIPINHO:

Pensei que ia morrer.

ISABEL

E eu botei pra chorar.

CALANDRINO:

Agora vocês se perdoam

sem ter o que perdoar.

Parte 6

TOFANO:

Que a beleza maior fique no escuro,

configura crime contra a natureza,

pois o belo, visto, e lembrado no futuro,

provoca no homem o amor mais duro,

Revisitado, gera mais beleza.

MONNA:

Engano seu. O amor nasce das sombras.

Do que se imagina entre o escuro e a luz.

Se queres o meu corpo e aos meus pés tu tombas,

é só porque não podes ver quem te seduz.

(...)

TOFANO :

Te amo... Te quero...

És tudo...

Por favor, quero te ver...

MONNA:

Desejarás ter ficado mudo,

no momento exato em que me conhecer.

TOFANO:

Socorro!

MONNA:

Vai...

TOFANO:

Aaaaiii... Aaaiii...

TOFANO:

Você? Como?

Mas de que jeito?

MONNA:

Eu mesma, Monna, prazer.

Sua esposa de direito,

agora também de fato.

TOFANO:

Como foi que entrou no quarto?

MONNA:

Pela porta, e por que não?

Meu marido, minha casa,

minha cama, meu colchão...

Quem esperava chegar?

TOFANO:

Esperava... Esperava... Esperava não lhe amar.

Esperava morrer triste, sem nunca o amor achar.

Da vida esperava pouco, queria nem esperar...

Tudo mudou no momento em que eu descobri lhe amar.

MONNA:

Mesmo? Que coisa boa...

Parece uma outra pessoa...

TOFANO:

Sou mesmo! Outro, por completo!

A morte não foi em vão:

a vontade de meu pai finalmente vem à tona.

Casei com a senhora Monna,

lhe dei um chão e um teto.

Agora: filhos e netos!

MONNA:

Que bom... Vindo de um marido...

Isso hoje em dia é tão raro...

TOFANO:

Seu amor me dá sentido,

só agora vejo claro.

FILIPINHO:

Paixão não é planta de roça,

só cresce no natural.

ISABEL:

Tantas voltas para encontrar

o que tinha no quintal.

MASETTO:

Que a paz, a concórdia e a alegria,

brotem nos três casamentos.

CALANDRINO:

São bons ventos...

MONNA:

Quem diria...

TESSA:

Diria que o amor é arte

de ficar quando se parte

e ver inteiro o que é parte.

Que primeiro não é quinto,

que parte do ovo é pinto

e o pinto é parte do galo.

Falo somente o que sinto,

se falo é o mesmo que pinto

e, se eu não sinto, me calo.

CALANDRINO:

Do vinho restou um quinto,

para nós sobrou um quarto,

depois de rezar um terço,

vai cada um pro seu berço,

que nessa noite eu me farto!

Eu muito falo e não minto,

só digo o que é verdadeiro:

a metade do que sinto

já faz um amor inteiro.

MASETTO:

Metade de zero é nada.

Espero a mulher amada,

que já de mim nada espera.

Se o amor é uma quimera,

melhor é ganhar a estrada,

que o dobro de zero é nada

e nada é o dobro de zero.

Já não tendo o que mais quero,

vale tratar de viver de forma mais reduzida:

comer, amar e morrer, é bom resumo da vida....

(*) Extraído do site: http://madinde.blogspot.com/2009/06/comer-amar-e-morrer.html

Lobo da Madrugada
Enviado por Lobo da Madrugada em 01/08/2009
Reeditado em 01/08/2009
Código do texto: T1730572
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