AS MENTIRAS DO AVÔ...- Matéria do Cantinho do Zé Povo-O Jornal de Hoje-Natal-RN-Edição de sábado/domingo, dias 27 e 28 de junho de 2009

Eu me acho coberto de razões, quando digo que “sem tê nada pra fazê,/ o hôme fica abêstaiádo./ In quaiqué banco de praça,/ êle arrelembra o passado./ Se você num crê, cunfira;/ dominó, peido e mintira,/ é a cara de apusentado”... E é mesmo, na mais pura acepção da palavra. “Véio é rico in ixperiença,/ pura vida, acumulada./ No qui pese a sua idade,/ inda pensa in namorada./ Dróme pôco, mija munto,/ intende de tôdo assunto,/ mais num se alembra é de naaaada”... Esses meus dois pensamentos rimados e metrificados, dizem com a maior fidelidade, o comportamento da grande maioria dos nossos idosos (e eu me incluo entre eles, pois já sou sessentão...). Véio, quando num tá drumindo, ô tá cagando, ô sortando peido, ô mijando, ô jogando dominó, ô gamão, ô se alembrando do tempo qui era nôvo, oiando ais minina passá... Estou falando desse assunto, porque na quinta feira próxima passada, dia 25.06, tive a honra de participar da Comissão Julgadora do Concurso de Causos, Mentiras e Piadas do Mossoró Cidade Junina, ao lado dos meus colegas poetas populares, Zé Martins, Antonio Francisco e Geraldo Maia. O nível dos participantes foi dos melhores, e como não poderia deixar de ser; Antônio Francisco me passou um causo de um avô contando uma estória ao neto, atendendo a um pedido do garoto; e que repasso a vocês, queridos leitores e leitoras do Cantinho do Zé Povo. O menino exigiu que o avô contasse uma estória bem emocionante, de um perigo do qual o avô tinha conseguido se salvar. E com toda essa exigência, o menino disse que não valia estória que não fosse a mais pura expressão da verdade. E o velho, “séro qui só um sapo cagando”, dizia para o netinho atento à sua narrativa:

- Certa vêiz, meu fíi, eu fui fazê uma caçada, e lá na mata me deparei com uma onça. A danada deu uma butada in n’eu, eu correndo na frente e ela sem conseguir me alcançar, isso pru quage meia hora ô mais...

O menino interrompeu o avô, tentando pegar o velho na mentira:

- Mais vovô, onça é um bicho qui corre munto; eu acho qui num tinha cumo o sinhô iscapá dela não sinhô...

O velho replicou, apresentando um semblante que já era o meio termo entre sério e aborrecido, pela interrupção do neto:

- É, meu fíi; você pode inté tê razão; eu sei qui onça é um bicho qui corre munto, mais antes dela me aicançá, eu pulei num ríi e saí nadando com a maió ligereza qui eu cunsiguí dá nais minhas braçada e saí fora...

E o menino, “qui nem advogado”, sempre encontrava uma brecha para embaralhar o avô na sua narrativa:

- Mais vovô, eu li num livro da minha iscola, qui onça tombém nada, e tem mais; é munto ligêra dento d’água...

O velho não se deu por vencido e tentou mais uma vez, ludibriar a astúcia do seu netinho:

- Quando a onça chegou do outro lado do ríi, eu já ia lá na frente na carrêra e entrei num partido de ispíin amisturado cum um matagá e cunsiguí me livrá da bicha...

E o menino:

- Mais vovô, onça tombém infrenta mato e ispíin de tôda qualidade, sem se incomodá cum arranhão de qualidade ninhuma; será qui adispôi disso, o sinhô inda cunsiguiu iscapá ?

Aí, meus amigos, o velho perdeu a paciência, a astúcia e a compostura, e rasgou o verbo prá cima da inteligência e da sagacidade do menino:

- Não; aí, eu num tive mais saída e a danada da onça me cumeu; táis sastisfeito, fela da puta ?...

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 27/06/2009
Código do texto: T1669618
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