Auf Wiedersehen - Um tributo à Olga

"Ao sol silencioso se erguem as árvores do bosque:

Assim se erguem em propício tempo,

Aqueles que nenhum mestre por inteiro educa, mas aquela

Que é maravilhosa e imensa e de uma leveza envolvente,

A poderosa, a divinamente bela natureza.

Por isso quando ela parece dormir em algumas épocas do ano

No céu ou entre as plantas ou os povos,

O rosto dos poetas também se entristece,

Parecem estar sós, porém sempre estão cheios de pressentimentos."¹

PRÓLOGO

Encomendou um daqueles dois monumentos cimentados para velar a porta da cripta cujo túmulo marmóreo reside, desde há muito, sepultado. Ali reclinou o corpo e a cabeça sobre o colo de uma silhueta espectral. Um fruto pictórico da própria imaginação, uma miragem requisitada sempre quando o coração, ressentido pelas dores do mundo, ansiava companhia. Disposto ao assassinato, ali daria fim a nostalgia para que a saudade pudesse nascer, saudável e vívida. Tomado pelo alento que a si mesmo prestava, assim discorreu o Bardo em seu lamento. Uma saudosa despedida.

ATO ÚNICO

(Rússia, Kuibyshev. Entra o Bardo seguido de um Espectro.)

HAMLICK:

Estive protelando uma reflexão que há muito havias tu me incumbido, sem a pretensão de obrigar-me a tecer um posicionamento a respeito. Houve um tempo…

ESPECTRO:

Sempre há um tempo…

HAMLICK:

Que o gozo consistia na alegria de viver… quando o homem não sabia que era homem, nem aquilo que gostaria de vir a ser… não sofria por dúvidas — e sequer sabia que as poderia ter. Houve um tempo que o pouco era muito, e nenhuma boca pestanejava por isso. A humildade era uma virtude abundante e a ganância um raro fruto que vez ou outra florescia… Hoje o homem sabe que é homem, pensa que sabe o que quer ser, acredita que tudo foi feito para ele e por ele, somente. A arrogância virou uma peça indumentária, a qual os espíritos que carecem de generosidade e gentileza se revestem para o bel-prazer. Dizem que é adorno bonito…

ESPECTRO:

Mas será que sabem que não sabem? Ou o que as coisas querem dizer? …

HAMLICK:

Hoje tem consciência de que a alegria só é possível se a tristeza antes dela arvorecer. Houve um tempo que os homens sabiam como deixar as coisas partirem, não contavam o tempo e, portanto, o efêmero não instigava o adoecer. A morte era só a morte, o fim de um ciclo que, premeditado, não surpreendia ao comparecer. Hoje a morte é deidade, castigo ou livramento..

ESPECTRO:

Para punir os corações sediciosos e glorificar as almas justas…

HAMLICK:

Será mesmo? Uma questão de percepção. Se disser o que penso, corro o risco de ser denunciado pelo ar de tirania — coisa que meu espírito jamais permitiria, sobretudo, os princípios. Quero falar-lhe sobre àquilo que os medrosos evitam comentar. O último presente que a natureza reserva para seus filhos: A morte.

ESPECTRO:

O sonho de um sono eterno…

HAMLICK:

Olga, me perguntastes outrora, se temias eu a morte e o morrer. Contava-me sobre suas crenças — as quais nunca almejei saber, porque a mim nada significavam — conquanto fosse fiel a audição, e a isto em respeito ao afeto e, sobretudo, o amor que sentia por ti, meus interesses cobiçavam outros mundos. Nunca reclamei, pois sabia que o teu esforço — louvável esforço — tinha o propósito missionário, não por acaso, mas pelas mesmas razões que as minhas ao me dispor a lhe ouvir. O teu paraíso era diferente do meu, e o Deus que amava não era compatível com a ideia que de mim, ao longo do tempo, se apossou. Minha gentileza não era como a tua, e em mim a melancolia — ao contrário do contentamento — sempre transbordou. Tive vergonha, pois não queria parecer rude ou insensível, por isso sempre ocupei-me das coisas do mundo. Não fui ao teu funeral, quis ter por perto outra imagem que não a de um ataúde lacrado. Mas reservei o luto, tanto quanto o prolonguei. Este tolo pedaço de matéria de alma imaterial, sabia que jamais a veria de novo. Sigo convicto, no entanto, sabendo que não mais a verei pelas ruelas da minha mente, a não ser pelas reminiscências que plantastes em vida. Ou em algum paraíso longínquo, celestial. Pertenço a terra, à natureza, quando tiver de retornar a ela, eu assim o farei. Por ora, vivo por insistência na esperança de que o inaudito me surpreenda!

"Tudo experimente o homem, dizem os deuses,

Que ele, alimentado com forte mantença, aprenda a ser grato por [tudo,

E compreenda a liberdade

De partir para onde queira."²

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1. Friedrich Hölderlin. "Hinos tardios". [tradução Maria Teresa Dias Furtado]. Porto: Editora Assírio & Alvim, 2000.

2. Friedrich Hölderlin. "Lebenslauf"/"Curso da vida". in: Hölderlin: Poemas. (organização e tradução Paulo Quintela). Coimbra: Atlântida, 1959.

BARDUS
Enviado por BARDUS em 19/10/2020
Reeditado em 19/10/2020
Código do texto: T7091428
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