Homenagem ao jornal sorocabano Cruzeiro do Sul, por seu centenário

Excelentíssimo Senhor Presidente da 24ª Subsecção da OAB, Dr. Joel de Araújo, por meio de quem cumprimentamos as demais autoridades e membros da mesa e as autoridades presentes nesta cerimônia.

Senhoras e Senhores:

“De longa data acariciávamos a idéia de publicar uma folha que não estivesse adistricta a conveniencias de partidos políticos; que dissesse o que precisa dizer, e que defendesse com hombridade os interesses do Direito e da justiça. Essa idéia realizamos agora com a publicação do Cruzeiro do Sul.

Apparece sem outros intuitos senão o de cooperar para o engrandecimento da terra onde vê a luz. E, se tanto conseguir, ainda mesmo em diminuta parcella, dar-nos-emos sobejamente recompensados.

Não é órgão partidário: é uma folha republicana e nada mais. Acolherá em suas columnas todos os artigos de utilidade pública.

Até onde lhe fôr possível, defenderá com independência os direitos do povo, garantidos pela lei e pugnará em prol das classes opprimidas.

Não irá provocar discussões de caráter privado, nem a elas dará abrigo. Quando, no desempenho de nossa missão, tivermos de entrar na crítica e na apreciação dos actos políticos, o faremos na região serena dos princípios, sem rancor e sem paixão...”.

Este era o programa de uma folha de quatro páginas e circulação bissemanal, lançado em 12 de junho de 1903 por Joaquim Firmino de Camargo Pires, ou Nhô Quim Pires, como carinhosamente era conhecido, e seu irmão João Clímaco, este, juntamente com o poeta Francisco Vera Cruz, criadores de uma associação constituída como a primeira proprietária do Cruzeiro.

Independência partidária, senso de utilidade pública e defesa da classe oprimida representavam a tônica da folha auto-intitulada como órgão republicano, porta-voz que se fizera da dissidência republicana instaurada “contra as diretrizes do presidente Campos Sales, fundamentada na política dos governadores e no mecanismo de reconhecimento de poderes que, na prática, promovia o rompimento entre a República e a democracia”.13

O jornal-menino foi crescendo. Realinhou forças políticas. Mudou de donos. Modernizou-se. Em 1963, quando as possibilidades do jornal “enquanto empresa familiar se achavam praticamente esgotadas”, foi adquirido pelos irmãos da Loja Maçônica Perseverança III, momento este em que é criada uma fundação “que, por proposta de José Aleixo Irmão, recebe o nome de Ubaldino do Amaral, um dos fundadores da Perseverança III”.14

O jornal-menino se fez jornal-adulto. Fez-se sentinela do século. Informou e informa e forma cidadãos. Como se um livro fora, merecendo, por isso, a analogia do grande poeta Castro Alves, que candentemente declamava: “Por isso na impaciência/ Desta sede de saber,/ Como as aves do deserto,/ As almas buscam beber.../ Oh bendito o que semeia/ E manda o povo pensar!/ o livro caindo n’alma/ é Germe que faz a palma/ e chuva que faz o mar”.

O “Cruzeiro do Sul” é uma sentinela do século. E da verdade. E a verdade, como o disse Gilberto Vidigal, representante de escol do jornalismo brasileiro, “é uma força nascida em qualquer parte e que, atravessando corações e espíritos, se protege nos documentos e livros; é uma força que agita os tribunais e parlamentos, constrói e reconstrói estados, derruba e varre poderes; é uma força que penetra, invisível nos templos, alcança os campanários, ganha espaços inatingíveis, e, em pleno zênite, domina os páramos indevassáveis”.

E diz a verdade, porque seus homens e mulheres continuam defendendo o mesmo ideal dos primeiros republicanos: a construção de um regime de liberdade, em benefício de uma nação fraterna, em que se garanta a cada cidadão as condições legais e reais de viver dignamente.

Diz a verdade, e aqui ressaltamos a figura admirável do jornalista Geraldo Bonadio, “o mais importante pesquisador da história da imprensa regional”; homem de jeito simples e que passa despercebido aos olhos dos prepotentes. Homem sábio, da estirpe daqueles a quem se referia o inolvidável escritor Coelho Neto, quando admoestava os tolos: “Os homens não se conhecem e este é o seu maior defeito. O ignorante é ousado, o sábio, tímido, Um para impor-se se faz pedante; o outro para esconder-se, humilha-se; e o que geralmente se vê é a mediocridade vencendo, por sua atividade, e o valor esquecido, por não querer afrontar”.

Diz a verdade, enfim, porque seus homens e mulheres clamam: “Cremos em Deus”. E por essa maior virtude, comungada pela Ordem dos Advogados do Brasil, para os próximos centenários sob a luz do Cruzeiro do Sul, finalizamos esta saudação, depositando no coração dos homens e mulheres do Cruzeiro do Sul, uma antiga Bênção Escocesa:

Que os ventos sempre soprem em suas costas, impulsionando-o avante!

Que o sol sempre brilhe em seu rosto, iluminando seus passos e trazendo luz, esperança, alegria de viver, em sua vida muitas vezes difícil!

Que as chuvas sempre caiam em seus campos, e até nos encontrarmos de novo, que Deus o tenha, suave e seguro, na palma de Sua mão!

(Homenagem ao primeiro centenário do jornal Cruzeiro do Sul (Sorocaba), sessão realizada na Casa do Advogado, em 05/06/2003)