“33 SEGUNDOS DE SILÊNCIO”, ÀS VÍTIMAS DO VOO MT 470 (*)

É a segunda vez que me faço a este palanque. E olhá-los cá de cima, a sensação que tenho é que estou num avião prestes a cair aos vossos pés. O medo de meter os pés pelas mãos aperta-me a alma. O nervosismo é um frio que me corre a espinha dorsal. Serpentes de suor já se fazem aos meus poros excitados. É um turbilhão de sentimentos que, mais do que me fazerem chorar, fazem-me morrer a cada segundo que confirmo, através do acto de respirar, que estou vivo e, com certeza, há outras mortes que me esperam, para além daquela que me levará directo à minha última morada. E a sensação de estar prestes a cair aos vossos pés traz-me à memória o fatídico acidente aéreo de mais um avião das linhas áreas de Moçambique: O VOO MT 470, no dia 29 de Novembro de 2013, no Parque Nacional de Bwabwata, em Namíbia.

Ter em memória um luto nacional que chora 33 almas que se foram para o outro lado da existência, estando cá em cima, neste palanque que mais se parece ao pináculo do “Binga”, agora que me revisto da tarefa de declamar alguns poemas, vejo-me na condição de uma rainha em xeque-mate no infinito tabuleiro da poesia, eu que nada mais posso fazer, a não ser insuflar-me de “eus” poéticos no leve mexer dos lábios deste declamador que (penso) sou, este declamador que declama a dor dos que ficam, assim que o Voo MT 470 trocou Luanda pelo céu que a todos espera.

O sensato seria que eu declamasse 33 poemas, posto que foram 33 almas que pereceram neste acidente. Mas, se, por um lado, não se manifesta aqui dispor de tempo para tanto, por outro, se os 33 poemas do primeiro livro (VOO MT 470) da colectânea poética intitulada 33 POEMAS SOBRE UMA AVE MORTA (obra inédita) fossem declamados hoje, possivelmente, ninguém mais a compraria quando este fosse parar às prateleiras. Por isso, sendo que o número 33 é composto por dois dígitos do número 3, números que se ladeiam como duas almas abraçadas, irei aqui declamar apenas 3 poemas.

Contudo, antes que eu os declame, devo dizer: além da sensatez que acabo de mencionar nas linhas anteriores, existe uma outra, que é melhor que eu a aduza imediatamente, sob pena de que eu passe por distraído ou algo a isso transversal: seria totalmente justificável que, em cumprimento da praxe, perante fatalidades como a presença da morte, com votos de que as almas perecidas na queda do Voo MT 470 alcancem em paz o reino dos céus, a minha declamação fosse antecedida por um pedido de “1 Minuto de silêncio”. Mas não irei fazê-lo. Por uma razão muito simples. O 1 de um minuto nada tem a ver com a queda do VOO MT 470, o qual vitimou 33 pessoas. 1 minuto equivale a 60 segundos. Não morreram 60 pessoas neste acidente. Tão-pouco podemos chamar aqui a equivalência do 1 minuto com as horas, pois encontraríamos menos que uma pessoa perecida. Restou-nos, portanto, duas opções: “33 minutos de silêncio” ou “33 segundos de silêncios”.

33 minutos até era bom. Dava para que algumas pessoas dormitassem aconchegados a um pseudo conforto nos seus lugares, aqui neste ventre de poesia, enquanto voam pelos mundos que não conseguem chegar usando apenas os seus pés que pisam a sua última morada.

No entanto, é melhor que se pergunte: como é que as coisas ficariam, se pudéssemos pensar, por hipótese, que haja aqui alguém conversando com os seus botões, a si mesmo perguntando “quando é que este chato irá abandonar o palanque?”?

Seja como for, em memória às 33 vítimas da queda do VOO MT 470, concedamos ao momento “33 segundos de silêncio”.

VOO TM-470

(Em memória de Carlinhos,

Yumala, Laisa e Jeinia Sambo)

o pedaço de papel

foi amassado na coberta do punho serrado

nada se sabe das palavras ali escritas:

vida, feridos, ou morte encontrada;

prosa, poesia, ou um papel em branco

nada! nada de nada! nada!

VOAR SEM ASAS

conforto?

que conforto?

que conforto

no confronto

de ser ave sem asas

e ter que voar?

COMUNICADO A BORDO

“Caros passageiros,

pedimos as nossas sinceras desculpas

pelos embaraços que possamos causar

pelo sucedido

mas temos a informar

que o voo MT470

terá de efectuar três aterragens

de emergência:

• 1º Parque Nacional Bwabwata;

• 2º Cemitério de Lhanguene;

• 3º Cemitério de Michafutene.”

(*) Texto lido no Instituto Cultural Moçambique-Alemanha – ICMA, a 23 de Maio de 2014

C C Cossa
Enviado por C C Cossa em 02/07/2014
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