Eterna Recordação

Remexi minhas gavetas

E seu retrato encontrei

Não pude conter as lágrimas

Confesso que chorei

Recordava de você

Do seu puro e meigo olhar

Da ternura no seu sorriso

De sua maneira dócil de falar

Nunca vi tanta humildade

Gentileza e dedicação

Em um só ser humano

Em um só coração

Seu silêncio revelava

A ocultação de um enfado

Demonstrava triste, oprimido

Infeliz e cansado

Fugia de todos e de tudo

Sem motivo, sem razão

Vivia sempre isolado

Acompanhado da solidão

Decidiu "mostrar a cara"

Para o povo, para o mundo

Tornou-se um ébrio, um alcoólatra

Um maltrapilho imundo

Teve vários amigos

Amigos da bebida

Que colaborou para o seu fracasso

E o fim da sua vida

Quantas vezes eu te via

Caído nas calçadas

Desacordado e sujo

Em frias madrugadas

Você não soube desfrutar

Sua juventude, a sua mocidade

Abusou do seu livre arbítrio

Buscando a infelicidade

Você recusava ajuda

E no vício persistia

Quanto mais recebia conselhos

Mais você bebia

Um dia me trouxeram

Notícia de você

Não conseguia acreditar

Corri, então, prá ver

Entrei no hospital

Deparei com sua mãe que tanto chorava

Com uma toalha jogada nos ombros

As lágrimas enxugava

Não sabia como reagir

Não sabia o que fazer

Se dava consolo a ela

Ou se correria até você

Perplexa e atordoada

Logo, então, decidi

Com um nó cravado na garganta

Não disse nada, emudeci

Tomada por um avassalador desespero

Caminhei num imenso corredor

Com passos longos e rápidos

Entre pânico e pavor

Andei, andei

Até, então, chegar

Diante de um severo guarda

Que não me deixava entrar

Pedia, mas não resolvia

Foi então que supliquei

Deixei o guarda sensibilizado

E com ânsia eu entrei

Cada passo que eu dava

Esfriava meu coração

Quanto mais próximo eu ficava

Mais crescia a aflição

Finalmente o encontrei

Numa sala apertada

Lá deitado, estirado

Sobre uma pedra gelada

Teve uma distanásia

Ali descansava de tudo

Não falava, não ouvia, não enxergava

Estava estático, cego, mudo e surdo

Parecia adormecido

Ou talvez inconsciente

Mas a verdade era outra

Dormira eternamente

Havia desencarnado

Sua vida temporária findara

Seu espírito foi para Deus

E sua matéria ali ficara

Olhava teu corpo peludo

A calça jeans desbotada

Sem camisa e os pés nus

Com a cabeça enfaixada

Com carinho te toquei

Senti um longo arrepio

Você, além de inerte

Estava duro, pálido e frio

Do lado de fora eu via

Por uma janela embaçada

Pessoas, carros e luzes

Em plena madrugada

Fixava o olhar em você

Fixava o olhar para fora

Via que tudo ali estava

Só você tinha ido embora

Despedi-me de você

Segurando em sua mão

E com lágrimas nos olhos

Fiz a Deus uma oração

No dia do seu enterro

Conduzi nos braços meus

O seu fruto, o nosso filho

Para juntos, dizer-te: Adeus!