Livro dos desabafos
...Olhei para trás antes de seguir andando. A chuva caia e pequenas gotas molhavam meus óculos. Isso me incomoda, mas sabia que não faria sentido parar para secá-los agora. O caminho parecia mais longo do que de costume e as pessoas pela rua pareciam me encarar com olhares que me reprovavam. Seria tudo fruto de minha imaginação? Paranóias e angústias fazem parte de meus dias, de todos os meus momentos. Aprendi a lidar com isso mesmo desgontando. Meus pés começaram a doer, mas doíam de uma forma diferente do habitual. Talvez tivesse pisado em algo, não tinha coragem de parar para olhar com tantos pessoas me encarando. Finalmente cheguei onde queria. É um lugar seco, mas está mais gelado que do lado de fora. Subo até o terceiro andar e sento-me em uma mesa distante, abro minha bolsa, tiro um livro grosso e começo a ler. Sâo apenas quadrinhos e eu os devoro com a rapidez habitual. Eles trazem à tona recordações que gostaria de poder esquecer, lembranças que machucam muito mais que palavras rudes ou agressões físicas. Se houvesse um jeito de trancafiá-las em um baú... Não tenho vontade de simplesmente apagá-las de minha mente, afinal, se não fossem por elas eu não seria o que sou hoje. Mesmo com as recordações voltando sem parar, trazendo junto consigo pequenas gotas de tristeza, não consigo parar de ler. A história fica interessante e são os pequenos detalhes que fazem toda a diferença. Meu celular continua tocando e tocando. Eu não quero mais ouvir o barulho irritante que ele faz, queria simplesmente esquece-lo, mas não consigo. Parece instintivo pegá-lo, ler a mensagem recebida, responder. Gostaria de conseguir mergulhar no livro, nos desenhos, nas pequenas falas, nos detalhes tão importantes, mas não consigo me desligar da realidade. Alguém para ao meu lado e demoro alguns segundos para notar sua presença. É ele. Beija vagarosamente meus lábios com tanto carinho que qualquer raiva, tristeza ou frustração que havia dentro de mim se esvai. É incrível e um pouco estranho o quanto ele pincela cor aos meus dias cinzas e chuvosos. Só sua presença, seu cheiro, seu jeito de andar, seu sorriso tímido já apaga minhas dores, me faz esquecer as cicatrizes que carrego e, por um momento, falar do que passou não dói, mas fortifica. É estranho, também, como o tempo fica confuso quando estou ao seu lado. As horas passam tão rápido e, ao mesmo tempo, tão vagarosamente. Ele embaralha o tempo, embaralha os sentimentos, aperta meu coração, aquece minha alma. Eu gostaria de não sair mais do seu lado...
Abraçados, descemos um andar. De mãos dadas, sentamos em uma mesa qualquer de dois lugares e, em meio a uma conversa qualquer que começou em um assunto completamente diferente, ele me fez prometer que escreveria um (três) livro e que um deles se chamaria "Livro dos Desabafos". E é por esse acordo que escrevo esse primeiro texto, meio sem nexo, um pouco confuso, mas tão importante.