Palavras de Revolta Pelo Amigo Wallace

Pensei que minha mente fosse uma terra sem sentido, mas a cada dia que passa percebo que o planeta em que vivo consegue ser mais sentido que qualquer lugar criado pela minha imaginação. Perdi uma pessoa muito querida que, apesar da distância que nossas vidas de adulto colocaram entre nós, era uma parte da minha vida. Nos conhecemos na adolescência, dividíamos os mesmos gostos, as mesmas brincadeiras.

Esse meu amigo era um cara popular, daquele tipo bom em todos os esportes, bonito, brincalhão, desejado pela maioria das meninas e ainda assim era um cara que não se gabava de seus talentos. Ele era bom e ponto final. Era o nosso ‘calanguinho’ pelo modo peculiar de correr nas pistas de atletismo, um beija-flor que desafiava a lei da gravidade quando se mantinha parado no ar para uma cravada perfeita na quadra de vôlei. Ele era incrível! Nosso camisa meia dúzia.

Hoje, ao vê-lo deitado no caixão, vestindo um paletó e camisa social, não reconheci o menino brincalhão, mas vi o homem que perdeu a vida cedo demais, sem realizar todos os seus sonhos, sem explorar todo o seu potencial. Foi perseguido e alvejado, ainda assim conseguiu pilotar sua moto por alguns metros, pedir que alguém o ajudasse, que ligassem para o seu pai. Ele era um cara forte, mas não forte o suficiente para conseguir se livrar do destino de se tornar um número numa estatística que reflete exatamente o descaso e o buraco negro de insegurança para o qual esse país abandonado está indo.

Impossível conceber que alguém tenha a capacidade de não sentir nada tirando a vida de uma pessoa trabalhadora, de causar tanta dor aos familiares e amigos. Uma pessoa assim não é gente. Nós, humanos não temos direito de desfrutar do que conseguimos com luta, com o suor de nosso trabalho porque somos julgados culpados de não sermos ignorantes, menos afortunados. Somos culpados de sermos pessoas batalhadoras e o júri de bandidos que tomam as rédeas do poder, nos sentenciam à morte por sermos capazes de algo que eles não são: batalhar pela nossa sobrevivência.

E quando um animal desse tipo é preso e fica confinado com mais outra dezena de presos, surge a turma dos direitos humanos dizendo que uma coisa dessas é inconcebível. Sinto muito, mas inconcebível é eu ter que trabalhar para sustentar os vagabundos que tiram as vidas de pais de família, que tiraram a vida do meu amigo, que infligiram dor e sofrimento à família e a todos que fizeram parte de sua vida. Que não me venha ninguém, jamais me falar de direitos humanos para esse tipo de gente, porque para mim, todo sofrimento pelos quais eles passarem não chega aos pés do sofrimento que vi no rosto da mãe do meu amigo sentada o tempo todo ao lado do caixão.

Hoje, tudo o que restou do meu amigo, são as lembranças das brincadeiras, as risadas, as palhaçadas, as nossas fotos do passado e esses tesouros vagabundo nenhum pode tirar. Fique com Deus, beija-flor, se depender de mim você jamais cairá no esquecimento. Cada vez em que eu vir uma bola de vôlei, sentir o cheiro de chiclete de uva, ouvir Guns ‘n’ Roses ou Engenheiros do Hawai, sua imagem me virá à mente, bem como o seu sorriso meio de lado, a sua gargalhada e o som da bola explodindo nas quadras a cada uma de suas cortadas. Pessoas especiais como você nasceram para brilhar e seu brilho estará sempre aceso entre nós que te amamos do nascimento ao último sopro de vida.

Descanse em Paz, amado amigo.

"08 de Agosto de 2009 – Velório de Wallace"

Fabiana Telaroli
Enviado por Fabiana Telaroli em 07/03/2010
Código do texto: T2125153
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