"DIA INTERNACIONAL DA MULHER - 'A heroína Olympe de Gouges'"
Parabéns a todas as filhas, irmãs,
esposas, mães, tias, avós, meninas...
MULHERES, em todas as suas formas.
"A cidade francesa de Montauban fica localizada no sul da França na região dos Médio-Pirineus. É local natal de personagens ilustres, como o do grande retratista do século XIX Jean-Auguste-Dominique Ingres, do revolucionário Jean Bon Saint-André e da ainda “anônima” Marie Gouze.
Nascida em 1748, Marie Gouze vivia envolta na atmosfera feudal, nos costumes patriarcais e no velho paradigma que caracterizavam as relações sociais. Filha de uma família modesta, casou-se cedo com apenas dezesseis anos com um homem bem mais velho, tornando-se mãe e ficando viúva logo em seguida.
Esta poderia ser uma história como de tantas outras mulheres da época, mas o que diferencia Marie Gouze das outras mulheres?
Que destino aguardava essa ilustre mulher?
A diferença fundamental é que para ela o fato de viver fadada aos infortúnios de uma vida regrada e submissa aos padrões da época haveria de ser mudado.
Seu pensamento ganhará corpo não só porque era revolucionário em sua concepção, mas porque será pronunciado num tempo onde suas questões terão terreno para se desenvolver. Marie Gouze nasceu num século de intensas transformações.
Muda-se para Paris, pois queria se tornar uma mulher das letras, abandonando quaisquer resquícios do Antigo Regime que poderiam tolhê-la e obrigá-la a viver de um modo pré-determinado. Passa então a se opor ao casamento, inclusive recusando-se a casar com o grande amor de sua vida, Jacques Bietrix de Rozière, mesmo sabendo que ficaria rica se o fizesse. Suas ações inovadoras indicam uma verdadeira virada de valores que até então estavam enraizados na sociedade.
Ações tão radicais que culminam na mudança do seu nome para Olympe de Gouges, como ficaria eternamente conhecida. Freqüentando os salões parisienses de arte, ela conhece os maiores nomes da literatura e da filosofia francesa. É uma mulher independente, preocupada com as mais diversas causas, como a emancipação das mulheres, a instituição do divórcio, a abolição dos escravos e a criação de um teatro para a dramaturgia feminina. Escreve 30 peças teatrais e seu primeiro trabalho é lido na Comédia Francesa, porém jamais é montado.
Nos turbulentos dias do ano de 1788, a Assembléia dos Três Estados, que culminaria na Revolução Francesa, foi convocada. Olympe de Gouges, aos quarenta anos, faz-se presente. Disposta e consciente do seu papel naquele processo, sua vida passaria a ser marcada pela política e pelas leis.
A Revolução Francesa, além de um marco na história mundial, foi decisiva na história das mulheres. Propondo os ideais de igualdade entre os indivíduos, ela pôs em questão as relações entre os sexos, abordando o lugar de direito da mulher na sociedade. Entretanto, esse lugar não seria concedido, pois até mesmo os líderes revolucionários, seguindo as mesmas opiniões dos contra-revolucionários, defendiam a manutenção do papel social da mulher. Agiam contra os próprios ideais libertários da Revolução e lutavam para que as mulheres “permanecessem em seu lugar”: o ambiente doméstico e a vida privada.
Temiam que as mulheres invadissem o território masculino dos direitos, da vida pública e da superioridade na hierarquia dos sexos. Numa época onde as leis eram criadas por homens, as mulheres começam a tomar consciência histórica de sua cidadania e a enxergar a possibilidade de romper as correntes repressivas que as deixavam em posição de submissão e inferioridade aos homens. A mulher era agora civil, política, e exigente do seu lugar na cidade, segundo os direitos que a Revolução lhe dera. Entretanto, essa liberdade era limitada.
Olympe de Gouges não abandonou sua vida em Montauban para presenciar tais acontecimentos e ficar inerte. Muito pelo contrário, para ela a tirania dos homens deveria ser combatida pela militância das mulheres contra as injustiças masculinas: uma guerra entre ambos.
Numa sociedade marcada pela distinção entre os sexos, ela via na Revolução um agente transformador que escancarava a exploração da mulher pelo homem e, definitivamente, o momento para a mobilização das mulheres contra tais “atrocidades”.
Era hora de suprimir os discursos naturalistas que atribuíam as qualidades do pensamento ao homem e à mulher a sensibilidade, o coração e a família – aos homens a esfera pública e às mulheres a vida privada, observada e controlada pelos “chefes da casa”.
Em 1791 Olympe de Gouges escreve o panfleto Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, um modelo explicitamente feminizado e provocador da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Nele ela conclama as mulheres à ação
– “Ó, mulheres! Mulheres, quando deixareis vós de ser cegas?”,
numa crítica visceral à desigualdade entre os sexos, visto que a exclusão imposta a elas pouco condiz com a declaração de 89.
A inserção da mulher em condições de igualdade, tanto de direitos como de deveres, na vida política e civil do país torna-se essencial para ela.
Olympe de Gouges foi a primeira mulher a lançar-se na arena pública, onde também pôs em prática as suas teorias: ela reivindica os mesmos direitos que os homens, ela correrá os mesmos riscos que eles e lutará para ter as mesmas obrigações.
Assume as suas opiniões, através das suas peças de teatro, dos seus panfletos, dos seus cartazes.
Denuncia os abusos do Antigo Regime, assim como os do novo, e luta incessantemente pela liberdade, pela justiça, pelos fracos, os oprimidos, as mulheres, mas também os negros, as mães solteiras, os filhos fora do casamento, as prostitutas, os desempregados — sugerindo a criação de oficinas nacionais para empregá-los.
Com o clima do Terror instaurado pelos revolucionários, seus ideais libertários sofrem ameaças.
Girondina e revoltada com o Terror, ela ataca duramente Marat e Robespierre, que passam a considerá-la "perigosa demais".
Denunciada pelo seu afixador de cartazes, é presa na Ponte Saint-Michel e imediatamente encarcerada.
Do fundo da sua masmorra, ainda consegue fazer afixar em Paris um último panfleto descrevendo as condições em que está presa e a garantir a sua inocência.
Em vão. Em 2 de Novembro de 1793, às sete da manhã, é julgada e condenada à morte pelo Tribunal Revolucionário.
Foi-lhe recusado um advogado.
No dia seguinte, ela sobe ao cadafalso. Antes de morrer, afirmaria:
"A mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela
deve ter igualmente o direito de subir à tribuna.""
(*) Da obra entitulada “Olympe de Gouges: As mulheres e a revolução”, de Alain Tramont Silva e Pedro Henrique Nunes. Fonte: http://www.historia.uff.br/nec/dezembro2005/olympedegouges.htm