UM CHAPÉU CHAMADO AMNÉSIA
Aquele chapéu que está no chão, jogado, não mais é sustentáculo. Torto porque uma brisa, com suas lindas mãos, o afagou. Velho, pois desde que eu nasci ele existe: ele é ‘alguns séculos’ mais velho que a temperança. Possui a cor da ternura, como um livro verde que se confunde com as gramas oceânicas. Sobre a manhã, lacrado, mais parece um odre descomposto, ou o buraco que vejo na parede, representando traças devoradoras de relógio (e das gônadas passageiras).
Tão bem disfarçado de subsistência que podemos traduzi-lo como a fome. Despido, dado ao chão como se fosse uma cerâmica, age como a vestimenta das órbitas. Impede que um grande estrago haja e continua sem importância: caiu solitário em meus braços. Talvez esteja dopado de suor ou descompromisso. O golpe que foi dado a tantas senzalas. E ainda que se revista de linhas fortemente armadas, continua sendo agulha. Por mais que a lembrança já o tenha traído quatro vezes, não se move: uma cruz gigante promove o Juízo, chapéu, cada limitação serpenteia em seus ombros.
Não me atreveria a pronunciar que és círculo, ideia, forma: és simplesmente amnésia.