O Pombo e o Passarinho
Valéria Gurgel
Certa vez um pombo acinzentado sobrevoava o telhado de uma casa. Chovia e ele se escondia embaixo de desvãos. Suas penas estavam molhadas e sujas de barro e seu arrulho parecia triste.
Foi quando ele ouviu um canto afinado que ecoava por toda a redondeza. Percebeu que se tratava de um pássaro raro, jamais havia escutado algo parecido. Ele cantava lindamente e muito próximo dali.
Sobrevoou pelas árvores ao redor e não o encontrou. Sobrevoou outras vezes mais, e enfim o descobriu.
Era mesmo deslumbrante e exótico. Ele possuía um bico comprido e delgado e suas penas eram coloridas e viçosas. Ele vivia sozinho, numa linda gaiola dourada.
Não lhe faltava alpiste da melhor qualidade, nem frutas, nem água fresca. Até um balanço ele possuía e um ninho aconchegante de algodão à espera de um possível acasalamento.
Ele seguia a cantar e seu canto era mesmo um encanto.
O pombo meio tímido se aproximou e puxou conversa:
-Hei, como tu cantas bonito, hein passarinho?
- Tu não poderias me ensinar a cantar assim? Eu te ensino a voar!
- Eu já aprendi a voar, não preciso que me ensine, senhor pombo!
- Mas eu ainda não aprendi a cantar. Gostaria de saber cantar assim, mas para isso eu precisaria bons motivos para ser feliz, o que eu lamentavelmente não tenho.
Eu voo para ali, e para acolá às vezes em bando, às vezes sozinho e não encontro meu destino, nem um paradeiro seguro. Às vezes não tenho nem o que comer, nem onde dormir. Todos os dias corro riscos de ser devorado por gatos espertos e famintos.
- E o que mais lhe falta, amigo pombo?
- Uma casa! Ah… também necessito comida farta, sossego e proteção. Algumas penas coloridas assim como as tuas. E um bico comprido como os teus para eu cantar melhor.
O passarinho sacudiu suas asinhas encolhidas dentro da gaiola apertada, limpou seu bico no poleiro, pensou e lhe respondeu:
- “Mais bonito que o canto dos pássaros são seus voos; nem todo canto é de alegria, mas todo voo é de liberdade. " ( Mário Quintana)
*O conto é de minha autoria.
A frase entre Aspas é de Mário Quintana.