A vida imita a Arte

Estavam assistindo Chico City show na TV monocromática de tubo, quando inexplicavelmente, Furioso surtou - naqueles anos não havia vacina ou antídoto contra a raiva. Também não se falava em milícia, em facismo, genocida, máscara e coisas mais.

Em princípio, disparou correr atrás do rabo; e após rosnar e mostrar os pontudos dentes caninos, precipitou-se para cima do gato.

Acossado pelo cão, após correr todo o barraco de 2 cômodos, num pega não pega dos diabos, num átimo de lucidez, o gato Libó lembrou do conto do pato Pateta, pulou a janela - única que estava aberta - e para safar-se de Furioso, subiu no pé de jaca, sem os chinelos havaianas.

Arranhando o talo, entre a jaca e o tronco, conseguiu jogar três para baixo. De duas Furioso escapou, pois estavam duras e verdes; mas da terceira...; jogou o corpo sobre o rabo, mantendo as duas patas dianteiras em pé e meteu o focinho na jaca espatifada em gomos. Comeu, comeu, comeu. Coisa mais deliciosa, nunca comera! Com sua língua desproporcional à boca, lambia os beiços...

Lançando-se devagar de costas para o chão, Libó desceu do pé. Cumprimentou o amigo. Entendeu o pedido de desculpa. Perdoou; e voltaram assistir o programa do Chico. Para não haver mais encrencas, cortaram as tiras dos chinelos em pedacinhos. Eram os únicos e usados, em revezamento, pelos dois amigos. Naquele dia, era a vez de Furioso usá-los.

Ao ver passar a propaganda dos chinelos, na qual apelava para a durabilidade por não deformar, não soltar as tiras e isenção de cheiro, Libó levantava-se do divã esbaforido, dava uma pirueta no ar, caía sobre as quatro patas e corria para desligar a TV. Aplaudido por Furioso, fazia todo esse malabarismo em segundos.

Desde que nascera em Quixadá, conterrâneo de estado de Rachel (leia Raquel) de Queiroz, o cão era apaixonado pelos personagens do Chico; não perdendo o programa, um minuto, sequer.

Sempre que isso ocorria, Libó miava esganiçado, o pensamento: " se Deus salva, a arte alivia! Óbvio, lógico que miava no intervalo entre um quadro e outro. Durante os quadros, Furioso exigia silêncio de morte, tanto dentro quanto fora, nas imediações do barraco. E a comunidade Facão afiado obedecia...

Só quem convivia com ele, sabia que o enfeitiçado cão era um baita disciplinador. Mas há de se dizer para o bem da verdade, que em seu tempo, um baita disciplinador e disseminador, do bem. No entanto, entenda que em todo ato disciplinador praticado, acompanhavam carisma e pacificidade.

E a comunidade Facão afiado sabia de tudo isso.

P.S.: às vezes, as falas entendidas como aberrações acusadoras, são verdades silenciadas por Deus.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 19/06/2021
Reeditado em 20/06/2021
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