(des)Baratinada

Creio que estou ficando velho e o que todos querem e deleitam-se, eu dispenso. De tanto ficar sentado na cadeira, adquiri calo na bunda. Também não sou afeito aos papinhos cretinos dos internéticos. Curto mesmo é minha barata. Minha barata, além de exemplo de inquietude, é um barato. Não para um segundo. Espoleta, corre para lá, para cá. Sobe nos móveis; traçam as folhas. Atuante, rói a roupa do rei de Roma. A danada da senhorinha guiada por duas antenas é debochada.

Prezo também pelo camundongo invasor de minha despensa. O miserável adora beliscar queijo fresco. De vassoura e chinelo em punho, corro atrás do excomungado em toda casa. E quem disse que consigo acertar-lhe uma vassourada na sua pequeninha cabecinha. Eu e ele, parecemos o Tom and Jerry. Se eu um gigante de 1m e 20 cm perto dele, claro que o danadinho ganha todas as disputas. Dia desses, ao entrar de ré no seu buraquinho e estando seguro, acenou um tchau e zombeteiramente, sorriu. Contorci-me de raiva. "Miserável de quatro patas, ainda te pego e pagarás o atrasado com juros e correção monetária!" - falei.

- Nem no pensamento, covarde homenzarrão! - imediatamente deu o troco.

Penso que minha espécie deveria ser como essas duas criaturinhas que possuo em casa; pois, incomodar faz parte da vida e nesse quesito, os humanos se anulam. É incomodando, mostrando as faces, azucrinando o sistema que acontecerá o contra-ataque, a reação do lado oposto. Em certas ocasiões, parece que os dois tramam o ataque. Em outras, defendem-se, criteriosamente.

Voltando a barata, essa senhorita mete os óculos na cara, o bronze no corpo, amarra o chumaço de cabelos black power no cocuruto da cabeça e vai fazer um splash na praia. Um dia desses quase morre num arrastão. Reclamou da vacilada do Cristo Redentor; também não mediu as palavras para elogiar a a esperteza do diabo. Saiu ilesa, mas ficou indignada com os últimos acontecimentos. Não poupou aplausos para aqueles que deveriam primar pela segurança no país.

Disse para ela ter paciência, um dia em breve, a terceira guerra porá fim em muita coisa asquerosa; em contrapartida dará início a muitas outras bacanas e necessárias à evolução humana. Uma delas, é o entupimento dos esgotos. Outra será a queda do Temer do Poder. Quem com golpe fere, com golpe será ferido. Pensando que a frase tenha sido para ela, a coitada da barata tremia de medo. Sempre acreditou que bichos de duas patas não são confiáveis.

Com citado, os humanos deveriam ser como eles, pois não aceitam apanhar calados. Ela sabe bem que é uma luta inglória, mas está sempre metendo a boca no trombone. Quando o sangue lhe sobe à cabeça, solta um impropério de palavras. Doa em quem doer. Lamentavelmente, as demais cruzam os braços e ficam à espera do resultado. Se lhes for benéfico, aplaudem a ousadia da minha criatura; se não for, aceitam passivamente. Voltam a realidade e aceitam de bom grado permanecer morando e explorando o esgoto imundo. Santa desunião de classe.

Sobre a terceira guerra, quando acontecer, seremos como as lombrigas e nadaremos na merda. Minha barata cruzou as antenas, que representa o seu tino na vida e antes que as profecias se cumpram, correu para dentro de seu esconderijo secreto.

Gritei apavorado: "volte logo, se entupirem todos esgotos, como está previsto no manual da Terceira Guerra Mundial, você morrerá". Passou da meia noite e nada dela. Temo que o pior tenha acontecido. Vou aguardar até clarear o dia, se não der a cara, vou recorrer a polícia. Além de arrependido de ter falado o que falei, estou apavorado com o sumiço da pobrezinha indefesa!

Boa noite leitor; e embora ela saiba que bicho de duas patas não lhe é confiável, por favor, reze para que nada de ruim tenha lhe ocorrido. Vou tentar dormir, mas pressinto que a noite será longa. Desculpe-me se lhe causo preocupação e muitíssimo obrigado por tomar conhecimento de meu animalzinho de estimação!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 29/03/2018
Reeditado em 29/03/2018
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