Amigos até debaixo D`água
Ponteiros na marca da cal. Exatos 3 horas da madrugada! Putz, perdi o sono e enquanto procuro-o nas páginas do computador, escrevendo com os dedos pregados pela ramela que descem aos montes, passaram-se dois minutos, mais um, mais um...; tento resistir, dou de ombros, viro as costas, ando ao contrário, corro até o Japão, mas o meu anacrônico relógio Mondaine empurra-me para o lugar que o relógio Seiko do leitor irá, ou está me esperando. Os que encontraram-se na paz absoluta e em plena luz, gozam o meu Mondaine, dizendo: "Já fui o tu és; serás o que sou". Dístico mais idiota, nada a ver...
Eu e o leitor, mesmo agora na época de natal, nunca nos entendemos, trocamos farpas, insultos pela net, arranca rabos ao vivo em praça pública, tanto ele quanto eu escreve uma coisa entende-se outra, enfim, guerra de palavras constante, mas os nossos relógios se entendem perfeitamente bem; e isso é tudo. É o que está segurando nossa desconhecida amizade. Como filme hollydiano e novelas da Globo, são felizes até quando durarem o estoque de segundos, minutos e horas.
Graças a Deus e a quem inventou essa máquina, acho que foram os chineses, o que em nada importa. Quem inventou, fez a parte dele para nos pacificar, pacificar os torcedores nos estádios de futebol, para pacificar os alemães que adotam os ideais de Hitler, pacificar os adversários políticos que se matam a troco de nada, para pacificar as mulheres nos puteiros, para mitigar a fome no continente africano, para amenizar os tiroteios nos morros do Rio de Janeiro, para pacificar o caos causado à Natureza, para dar fim aos olhos que miram mal intencionados a bunda da vizinha; enfim, pacificar o Planeta. E fazendo um adendo, Deus queira que a paz ocorra mundialmente. Todavia, louvado seja, o homem não, mas os relógios! Dados a eles os devidos cuidados, regulam milimetricamente até intestino preso.
Terminado o conto. São 3h e 8 min, precisamente e já passou mais um minuto. São 3h e 9min. Onde estarão os meus amigos Seiko, Rolex, Casio, Tissot, Skeleton, Mirvaine, Cucos... e demais indizíveis amigos que operam nesse mundo vasto? Nos amamos até debaixo d`água. Vida para longa para todos nós...; sei que não suporta mais ouvir esse clichê, mas excelente natal e próspero ano. Que o Menino Jesus em sua humilde e fedorenta manjedoura nos proteja, sempre. Por que se deixar apenas por nossa conta, já teríamos matado um ao outro, faz tempo. Não sobraria nem as rosca das porcas e pontas de parafusos para contar estória...
Vou ficar por aqui zanzando nas teclas do computador. E com o pênis murcho, dorminhoco sobre uma sacaria tão velha quanto o meu Mondaine, transando insanamente com minha escrita, para posteriormente, ter orgasmos múltiplos de satisfação cuspidos na tela. Precisamente às 4h da madruga voltarei para a cama. Vou dormir, porque trabalhar 24 horas por dia, 30 dias por mês, 365 dias por ano; nem relógios suportam. Escravo do tempo e de tanto trabalhar feito burro de carga, o meu falecido Mondaine morreu nem sei qual foi o ano...; por falar em morte, o seu Seiko está na ativa, leitor. Objeto honesto igual, somente ele.
Sem o menor sentimento de nostalgia, eram amigões de pulsos firmes; mas o Seiko no seu e o Mondaine no meu. Como era bonito ver uma amizade sincera, como era a desses dois camaradas de lutas, ciladas, natais, guerras, carnavais, vitórias e glória. Entendiam-se até debaixo d`água. Uma salva de palmas para eles: pá, pá, pá, pá!