A HISTÓRIA DE JOÃO TROVÃO

Na década de 30, lá pelas bandas de Olímpia, Estado de São Paulo, havia num lugarejo, um negro com quase dois metros de altura, com a voz muito grossa, que soava tonitruante, e, por conta disso, tinha o apelido de João Trovão.

Acontece que, com todo esse tamanho, João Trovão era mais dócil do que uma moça donzela. Não fazia mal pra ninguém. Pelo contrário, era muito medroso e apanhava de qualquer um que se dispusesse a brigar com ele.

Assim seguia a vida. João Trovão era motivo de chacota de todo mundo, pelo seu temperamento medroso.

O tempo foi passando, e João Trovão, apesar do medo, sentia muita angústia daquela situação, mas não tinha como modificá-la, pois todo mundo sabia que ele era medroso.

Certo dia, ele resolveu dar um basta em tudo aquilo e mudou-se para um lugar bem longe, onde tinha a esperança de que ninguém o conhecesse e ele pudesse começar uma vida sem o estigma do medo.

Dito e feito. Mudou-se lá pras bandas de Araçatuba, que estava começando a se desenvolver como cidade, pois sua fundação remonta a 02 de dezembro de 1908, quando foi inaugurada uma estação ferroviária em plena floresta, e ao seu redor foram erguidas as primeiras moradas, em ranchos simples, cobertos de sapé.

Para lá se mudou João Trovão, com a expectativa de começar vida nova. Lá chegando, todo mundo o olhava com curiosidade, pois, era um negro com quase dois metros de altura, pesava cerca de 120 quilos, tinha uma musculatura talhada pelo trabalho pesado na lavoura e extração de madeira. Assim, quem não o conhecesse, ficaria até receoso de mexer com aquele brutamonte, como ele aparentava.

Desta forma, João Trovão começou a angariar respeito e simpatia. Quando havia alguma divergência com alguém que pudesse chegar às vias de fato, logo alguém dizia: __ Vá chamar o João Trovão! E lá vinha ele com seu vozeirão e dizia: ___ Vamos parar com isso! Cada um pra sua casa! E as pessoas obedeciam com medo daquele negrão enorme.

Nessa época, em alguns lugares do Estado de São Paulo, havia uns valentões que eram por demais respeitados, como por exemplo, na região de Franca, tinha o famoso “Dioguinho”. Na região de São José do Rio Preto e Olímpia, tinha o “Anibal Vieira”, que eram pistoleiros que faziam justiça com as próprias mãos.

Naquela região onde João Trovão foi morar, também tinha um valentão que era conhecido como Burro Preto, porque andava sempre montado numa besta que lhe dava o nome, ou seja um burro preto. Esse valentão impunha sua vontade onde chegava. Se tivesse uma festa e não o convidavam, ele vinha e entrava no meio da festa com seu burrão preto, dava tiro para todo lado, e batia nas pessoas com rebenque. Assim, todo mundo convidava o Burro Preto. Era para festa de aniversário, casamento, batizado e tudo mais que pudesse ser chamado de festa.

Certo dia, a filha de um sitiante ia se casar e, como não podia deixar de ser, convidaram o Burro Preto.

No dia do casamento, deu a hora da cerimônia e nada do Burro Preto chegar. Como todo mundo tinha medo dele, ficaram a esperar. Uma hora de espera. Nada. Duas horas e nada do valentão chegar.

Aí, alguém teve a ideia de ir perguntar ao João Trovão o que ele achava daquilo, ao que ele respondeu: ___ Pode começar a cerimônia! Era o que todo mundo queria ouvir. E mais do que depressa começaram o casamento.

Nesse exato momento em que o padre começou a cerimônia, chegou o Burro Preto.

Vendo que não tinham esperado por ele, perguntou: ___ Que deu a ordem para começar a cerimônia sem mim? João Trovão respondeu: ___ Fui eu. Por que?

Burro Preto, ao ver aquele brutamonte de frente pra ele, falando sem demonstrar qualquer sinal de medo, ficou receoso e retrucou: ___ Bem, dessa vez passa, mas nós ainda vamos nos encontrar. Em seguida virou seu burrão e saiu tirando fogo dos cascos da besta.

Passado uns dias, João Trovão saiu do seu barraco, levando uma foice nas costas, pra tirar cipó no mato para fazer um cercado de pau.

Já havia caminhado um bom pedaço quando, ao longe, avistou o Burro Preto que vinha na sua direção. Nesse momento, toda sua covardia aflorou e começou a tremer de medo do que poderia lhe acontecer. Vendo que o valentão estava se aproximando, ajoelhou-se no chão, tirou a foice dos ombros, botou-a no colo e se preparava para pedir perdão ao valentão, assim que ele se aproximasse.

O valentão, por sua vez, a medida que se aproximava, viu aquele homenzarrão ajoelhado, e teve a impressão, pelo brilho da foice no colo do João Trovão, que fosse uma carabina, e que ele havia se ajoelhado para melhorar a pontaria.

Assim sendo, estacou sua montaria, repensou a história e virou o burrão nos cascos e saiu em disparada em sentido contrário ao que ele ia.

João Trovão, ao ver o valentão partindo em disparada, levantou-se brandindo a foice no ar e gritava: ___ VORTA DESGRAÇADO! VEM CÁ QUE VO TE MOSTRÁ COM QUANTO CIPÓ SE FAIZ UMA CERCA.

Desde aquele dia ninguém mais ouviu falar do valentão (Burro Preto) e João Trovão morreu de velhice, sem que ninguém soubesse da verdade do seu segredo que foi com ele para o túmulo.

Daniel L Oliveira - Ilha Solteira/SP - 19/10/2012

Daniel L Oliveira
Enviado por Daniel L Oliveira em 19/10/2012
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