ENTREVISTA – II
Juliana Pereira entrevista Maria José de Melo
Juliana – pergunta:
1) Qual é a sua relação da escrita em sua busca por autoconhecimento?
Maria responde:
A escrita me ajuda no processo de autoconhecimento desde 2013. Em 2010 comecei a procurar livros e revistas de psicologia para entender quem era a Maria? A escrita autobiográfica foi surgindo, mas inicialmente não guardava as anotações. É muito comum, no meu caso, procurar por fontes bibliográficas diversas, para entender (o objeto de estudo do hiperfoco). Preciso chegar a conclusões científicas para poder relaxar o cérebro hahahahaha… coisa de mulher cientista... Assim, surgiram os diários, notas, pensamentos e livros.
Em algumas seções de terapia perguntei aos psicólogos, se poderia ler o meu diário primeiro, para depois responder às perguntas que eles faziam. Tipo: o que você quer para o seu futuro? Quem é você agora? Eu ficava sem saber o que falar, mas sempre lembrava que tinha escrito isso no meu diário hahaha. Tenho uma tabela com toda a autobiografia, com datas marcantes... tudo que você imaginar… àquilo que desejo e quero conquistar em cada ano ou ciclos.
Quando fixo em um objeto sempre coloco as minhas duas habilidades em ação (pesquisa e escrita), portanto, sai quase uma tese de doutorado, inclusive, sobre: QUEM SOU? Agora, sei que tenho faro de cientista e um coração de poeta, acho normal. Saio vasculhando tudo, e juntando os fragmentos. A teoria precisa ser aplicada à prática. O problema é que às vezes sou o experimento hahahaha. A minha escrita não é apenas um pequeno relato pessoal e individual. Tenho um olhar para o universal, pois, sempre trago contribuições teóricas para o processo e ajudo a construir um novo caminho.
Juliana – pergunta:
2) Como a escrita ajudou você a melhorar sua comunicação e interação social?
Maria responde:
Tive muitos problemas de comunicação e interação social nas fases da infância e da minha adolescência. Eu era muito desconfiada de todos e todas. Sempre achei que tinha algo errado comigo, diferente de todos e com gostos muito específicos. As amizades e os relacionamentos amorosos, praticamente, não existiram, até minha entrada na universidade no curso de geografia. Desde 2010, venho me dedicando a conhecer mais profundamente eu mesma. Agora, a escrita de maneira mais profunda surgiu a partir de 2012, na geografia.
Mesmo publicando nas redes sociais alguns trechos de relatos pessoais de forma dispersa, isso não dava um retorno de desenvolvimento na escrita. Fui escrever de forma técnica/científica. Nossa sofri pra caramba, pois não poderia me expressar com o coração e eu sou coração. Levei pancada valendo... a gente precisa de estímulo e de uma referência para se desenvolver e encontrar a habilidade e o local certo onde podemos explorar. Veio o livro da transposição em 2021, fui jogada no mercado literário, daí em diante fui para a literatura.
A gente fica corajoso quando encontra outro corajoso. O medo de assumir as fragilidades, os sentimentos e as emoções… (ficaram) no caminho, a escrita poética se expandiu e me fez ser eu mesma. Nesse momento percebi que estava vencendo uma das minhas maiores limitações – comunicação (digo o que sou? Tudo aquilo que quero para a minha vida! Sem medo!). Escrever é a minha arte. A escritora que há em mim é maior do que as minhas fragilidades, medos e inseguranças.
Juliana – pergunta:
3) Qual o papel da escrita em sua recente jornada pelo diagnóstico de TEA?
Maria responde:
Se hoje estou atrás de um diagnóstico (TEA), segura e consciente de quem sou, foi devido a minha teimosia em escrever na literatura. Ainda bem, tenho hiperfoco, e não largo ele por nada. Foi o curso de escritor, a escrita e a terapia que me ajudaram a identificar as características autistas. A cada dia, semana ou mês, que me dedico à escrita poética ou narrativo-literária de forma geral, as suspeitas e as confirmações foram aumentando.
Cheguei a entrar em conflito com algumas pessoas (próximas), me afastei delas, inclusive, para seguir a minha vida. Eu precisava me afirmar como escritora. A escrita é aquilo que tenho de maior habilidade e foi com ela que encontrei a luz no final do túnel. Fiquei por muito tempo acreditando que o caminho cheio de espinhos e trevas (cercado por um trauma) seria dominante. Foi duro quebrar os muros e seguir, mas conseguir. E, para enfrentá-lo, passei pelo pior pico depressivo da minha vida. Vivendo esse processo cheguei ao topo da montanha e agora estou olhando a minha história a partir do espectro do autismo.
Juliana – pergunta:
4) Além de escrever para si, você também compartilha seus textos e vivências em um livro. Conte um pouco sobre como foi essa experiência.
Maria responde:
A partir de 2013, comecei a perceber que escrever no papel, me fazia bem, e mantive diários pessoais desde 2014, e quando quero sempre volto para ler e refletir o meu processo de autoconhecimento. Em 2021, esses relatos saíram da condição de simples anotações íntimas, carregadas de (pensamentos, reflexões, confissões, desabafos e críticas), para ganhar fôlego e virar o meu terceiro e quarto livro, “Memórias Literárias de Amora” e “Prelúdio de Um Amor”. Esse último é um dos volumes de uma trilogia.
Foi difícil demais sair do meu diário e dar outra vida a tudo àquilo que escondia das pessoas. A camuflagem foi à arma que encontrei para sobreviver. Eu não me sentia conectada ao mundo das pessoas. Eu apenas vivia apaixonada pelo mundo dentro do meu mundo. O psicólogo falou que a lei de Darwin, se aplica em mim direitinho. Ouvir isso dele foi uma libertação. Eu estava diante de uma explicação materialista. Escrever a autobiografia é revelar quem somos sem roupas? Mostrar a vulnerabilidade é um bom teste, para sabermos quem são as pessoas de verdade. Não seremos a vida toda como as primaveras, radiantes, florindo e exalando perfumes. Em alguns momentos seremos trevas, trovões e escuridão. Os livros, “A Jitirana Poética” e Memórias Literárias de Amora, abordam tudo isso e mais alguma coisa.
Juliana – pergunta:
5) Quais são suas inspirações para escrever?
Maria responde:
A maior inspiração para escrever é viver a vida tranquilamente no meu ritmo. Capto a magia do movimento da lentidão. Estou sempre observando e olhando tudo detalhadamente, desde criança sou assim. A troca compartilhada com outras pessoas é uma fonte rica para a escrita. Sempre converso com crianças e idosos. Amo falar dos meus hiperfoco com as pessoas, elas me ajudam a categorizar aquilo que consigo expressar.
Saber conversar com as pessoas, observar a natureza e os animais, é uma bela forma de perceber o movimento da vida. Para quê a pressa? A magia está aí. As pessoas, de forma geral, são muito fúteis, apressadas, consumistas, apegadas aos bens materiais e com aquilo que elas podem receber de extra do outro. Sempre querendo ser melhor ou tirar vantagens. Deixando sempre as coisas simples de lado. Na simplicidade encontro as pessoas mais raras. E de repente quando (a encontro) começamos a rir da humanidade. Às vezes a inspiração pode vir depois de uma conversa assim, em um banco na praça. Caminhando ou ouvindo uma música. Lendo e escrevendo. Assim, me faço uma escritora.
BIOGRAFIA
MARIA JOSÉ DE MELO
Citação preferida
“O pensamento da gente parece ser às vezes maior que o poder do lugar de onde nascemos, por isso se eterniza como universal”.
Natural de São Caetano, município do Agreste de Pernambuco e morando atualmente em Jaboatão dos Guararapes (PE). Escritora, geógrafa e poetisa de eterna alma regionalista com pretensões de ser universal. Na literatura escreve desde 2013, em diários. Em julho de 2021, passou de fato a se dedicar à escrita em gêneros literários, escrevendo poema, crônica e romance. Em 2022, teve quatro participações em Antologias e foi finalista do I Concurso Literário do jornal A Nova Democracia. Atualmente é membro do Coletivo Escribas e da Comunidade dos Escritores Admiráveis, da Agência de Comunicação (LC). Autora dos livros: A Renda Fundiária na transposição do Rio São Francisco (Índica/2021) e A Jitirana Poética (Toma Aí Um Poema/2023). Escreve o seu terceiro livro: Memórias Literárias de Amora: uma carta-manifesto e tem um projeto de trilogia.