ENTREVISTA CONCEDIDA AO BLOG ESCRITAS, 2003
FEITA POR MARIA JOSÉ LIMEIRA

1. Livros. Livros.Livros a mancheias! Vale a pena escrevê-los e publicá-los?

 
Escrever e publicar não é uma escolha - é sina. Como disse em um poema:
Não temos reino
nós, criadores.
Somos mentirosos
falsários
de reinos imaginários
saídos de nossa mente.
Na verdade,
além da paz e do belo
nosso único anelo
seria não ter que criar...

 
2. A sensação do primeiro livro publicado... Você se lembra? Como foi?
 
Foi um único poema, em uma Antologia de terceira classe. Eles me chamaram de "escritora"! Fiquei nas nuvens. Sempre publicara em jornais e revistas, mas ver meu texto em um livro foi sublimeeeee!
 
3. Livro virtual. Levando-se em consideração que somente uma ínfima parcela de leitores está conectada on-line, não seria meio frustrante divulgar para uma elite?
 
Publiquei dois livros virtuais e editei diversos. Retirei todos do ar. Não gostei da experiência. Livro é algo real, que deve ser manuseado, cheirado, sublinhado, riscado. Os livros que leio são todos sublinhados, com comentários nas margens - uma confusão! E daí tudo aquilo faz parte da obra - é o reflexo dela em mim. Um livro virtual não provoca a mesma coisa. É frio, impessoal.
 
4. Paulo Coelho tem 75 milhões de exemplares publicados. Isto assusta os  pobres escritores mortais, com dificuldades de publicação e divulgação?
 
Claro que sim! Afinal, ele descobriu uma combinação infalível: seus livros apelam para a curiosidade das pessoas no que tange ao mundo além dos sentidos, e ao mesmo tempo contêm muitos sentimentos  que são comuns a todos. Quer dizer, o leitor se identifica com os personagens, e fica intrigado com o desconhecido.
 
5. Escrever para si mesma. Isto existe? Faz sentido?
 
Sei lá se existe! Afinal, todo artista é egocêntrico. Ninguém cria para si mesmo. Eu escrevo para pessoas - para provocar algo nelas, criar algo nelas. Não escrevo para mim.
 
6. Você faz Poesia Filosófica, com sentidos ocultos nas palavras. Acha que o leitor comum tem condições de decifrá-la?
 
O que escrevo pode ser interpretado de diversas maneiras - depende inteiramente do leitor. Se o sentido oculto se perde, tudo bem... há muito mais nos poemas, além dele.
 
7. Escreviver. Você está nos seus textos?
 
Não escrevo ficção. Nunca. Mais ou menos como dizer: eu sou o que escrevo.
 
8. Que modelos segue para escrever?
 
Eu sempre me martirizei, porque não conseguia me expressar como queria. Daí descobri Chaim Potok. Li cada um dos livros dele, e não apenas uma vez - li duas, cinco, sete, dez vezes. Até que um dia saí e comecei a caminhar, e, de repente, descobri o segredo.
Ora, se você ler Chaim Potok, vai pensar que endoideci. Não tenho nada do estilo ou dos temas de Potok. Mas o que eu buscava não era o estilo dele, mas sim o que ele conseguiu: causar sensações, sentimentos e pensamentos no leitor, sem jamais descrever coisa alguma! Eu queria provocar o sentimento, sensação, etc, no leitor, utilizando recursos de gramática, ritmo, expressões. Quer dizer, criar no leitor a mesma coisa que estava dentro de mim ao escrever - sem descrever  a coisa. Daí recebo respostas: seu poema era maçante (ótimo, eu queria provocar uma sensação de mesmice!); ler seu poema me deixou sem fôlego (exatamente - a sensação era de angústia!).
Percebi que conseguira, quando meu filho menor, que tinha 15 anos na época, leu os originais de 'A Hora da Espada" e comentou: Você faz a gente sentir tudo o que você sente. Ele então escreveu "Lágrimas", que coloquei no livro como abertura.
 
9. Na sua opinião, qual o maior escritor de todos os tempos? Por que ele foi grande?
 
Não houve um só. Para dizer a verdade, cada um é grande dentro de seus próprios parâmetros. Como comparar Fernando Pessoa com Gonçalves Dias? Ou Dante Alighieri com Potok?
 
10. Você tem muita experiência de vida. Quando foi a mais difícil?
 
Sempre foi difícil. O que escrevo sai justamente do turbilhão.
 
11. O passado assusta? Por quê?
 
Não assusta. Apenas olho para trás e não consigo imaginar como consegui chegar até aqui. E é isto o que me faz ver que há um Ser Supremo, e que, de alguma maneira que me escapa a compreensão, Ele me ama - apesar de tudo.
 
12. E que tal falar de futuro?
 
Ele ainda não existe. Depois de tudo, aprendi a me preparar para o futuro, sim - mas não pensar nele. Se eu construo o "eu sou", o "serei" vai vir.
 
13. Você é escritora e artista plástica. São duas linguagens diferentes. Como é possível esta convivência? Em qual das duas linguagens você se realiza melhor?
 
Não é possível. Mas você pode perceber que todo artista se mete em tudo o que é forma de expressão que consegue. O que o compele não é a maneira de expressão, mas a urgência dela - ou você cria, ou sufoca. E consigo isto muito melhor escrevendo.
 
14. Está escrevendo suas Memórias? Acha que isto é importante?
 
Aiaiaiaiai... tudo o que escrevo são minhas memórias. Tudo é vivido, nada é inventado. Cada desespero, cada turbilhão, cada alegria, cada parada - encontra expressão em palavras ou cores. Ou os dois. Certa vez, um amigo disse a alguém que estava tentando se aproximar demais: cuidado com ela! Se você se aproxima demais, vira poema, livro ou quadro!
 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 09/05/2014
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