Pulsão de morte
Vivemos num país que, ao longo de sua (ainda breve) história, ficou conhecido no mundo pelo seu amor à vida, à cultura e às artes, por sua natureza exuberante, pelo respeito às diferenças, por sua pluralidade e alegria. Embora todos os estereótipos, em geral, nos levem a conclusões enganosas, eles sempre se baseiam numa noção geral, que nasce da observação e percepção original de alguns.
Pois esta noção geral, essa imagem construída do Brasil em boa parte do mundo, foi completamente destruída nos últimos anos. O discurso de ódio, que sempre teve lugar em nossa sociedade, mas era abafado, pela ausência das, agora, bem estabelecidas e disseminadas redes sociais, começou a tomar grande vulto a partir do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff. Sem entrar no mérito da qualidade do seu governo (do qual discordei bastante), o fato é que o discurso de ódio (misturado ao velho e asqueroso machismo nacional) tomou proporções inusitadas, insuflado por parte da mídia, que, como de costume, criou uma narrativa de desconstrução de toda a esquerda brasileira, a fim de propiciar a reimplantação de um projeto neoliberal que atendesse aos seus interesses.
Com o golpe branco, o caminho ficou livre. Aprovou-se o tal programa do ''Ponte para o Futuro'', a famigerada Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, arrochou-se o salário (já muito desvalorizado) dos servidores públicos, e criou-se uma narrativa geral da grande imprensa de que isso propiciaria o crescimento do país e a criação de inúmeros empregos.
Esqueceram, porém, de contar, que a criação seria, na verdade, de subempregos, e que o trabalhador teria que submeter-se às vontades do seu senhor, ou seria mais facilmente trocado por outro, já que os entraves para isso, agora, seriam bem menores. Retiraram tudo o que puderam e permitiram sua falta de escrúpulos e vergonha. E com um incrível poder de persuasão, fizeram com que muitos assalariados defendesse tal desmonte das leis trabalhistas (tão arduamente conquistadas ao longo da nossa história).
Os efeitos que começaram a se fazer sentir, bem como a narrativa de desconstrução e criminalização da política, permitiram a chegada ao poder (com o apoio, ou omissão, novamente, da grande mídia) de um personagem medonho. Um figura que poderia retratar muito bem qualquer um dos cavaleiros do apocalipse. Um homem vil, que exala e dissemina o ódio, para dividir, e assim, conquistar. Uma alma asquerosa, que fez loas a um torturador, comparou quilombolas a gado, disse que preferia que um filho seu morresse a que fosse gay, que não estupraria uma deputada porque ela era muito feia, que nenhum indígena teria um centímetro a mais de terra em seu governo... Tudo isso, e muito mais, ele disse antes de sua eleição, e ainda assim foi eleito por 55% dos eleitores.
Não há desculpa, assim como não há desculpa para a defesa do nazismo, fascismo, comunismo, e tudo aquilo que é manchado de sangue. As inúmeras mortes de indígenas, de gays, de mulheres, são resultado direto da aprovação e legitimação deste discurso. As milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, caso o governo tivesse tido uma outra postura no enfrentamento à pandemia (sendo que não só não a enfrentou, como a favoreceu) também mancharão para sempre as mãos de todos os que o apoiaram ou se calaram. Ninguém pode fugir do julgamento da História.
Apesar disso, ainda podemos salvar o que pode ser salvo. Para recuperar o que foi destruído, levarão gerações, mas começar é preciso.
Que este começo se dê em 2023, é que o que posso esperar. Pensem bem antes de votar. Não votem com ódio. Votem com a razão e a esperança.
Boa sorte para todos nós!