O OLHAR DO MEU PAI
Ao olhar para o meu pai, eu o vi com o semblante abaixado como se procurasse algo entre os seus pés.
Assim ficou por algum tempo e de repente elevou a cabeça, meneou-a como a se lamentar de algo, olhou para mim e disse: Se eu pudesse, faria tudo de novo. Sim eu faria tudo outra vez.
Faria o quê pai? Indaguei curioso, e ele me fitando nos olhos apenas respondeu pausadamente "nada não meu filho, nada não".
Notei no seu expressar sentimento de saudade, como se quisesse obter na vida (mesmo ao longo dos seus 80 anos) mais uma oportunidade para consertar algo que ficou lá atrás.
Nesse seu lapso de lembrança manifestada, não me contive e perguntei com farta curiosidade: Saudades, meu pai? Ele me olha, faz uma pausa e diz: Muitas meu filho... muitas. E complementa a frase dizendo:
"O que a vida tinha de bom para me dar, ela não foi mesquinha, pois tive mais do que merecia e se por algum momento, eu não soube aproveitar, a culpa não foi dela".
Vi seus olhos navegando num mar de sentimento profundo, e em respeito a sua emoção, não esbocei nenhum comentário por perceber que aquele momento era só dele.
Calado, olhando o vazio a sua frente, ele lentamente se levantou, dizendo que ia esticar as pernas.
Foi aí que ao entender a sua retirada, eu também não contive a emoção e chorei, pois o seu olhar não fitava mais os pés, mas sim um horizonte que somente ele sabia a sua exata direção.
Carlos Silva.