"SÓ QUEM NASCE NA ROÇA CONHECE A ESSÊNCIA DA VIDA"
"SÓ QUEM NASCE NA ROÇA CONHECE A ESSÊNCIA DA VIDA"
Nos tempos modernos, nem mais pão com mortadela é chique. Ficou apagado nas mudanças ferozes de paradigmas sociais, de sanduíches e quitutes cheios de condimentos artificiais, para criar zumbis dependentes de lanchonetes e delicatessens modernos, onde se come primeiro com os olhos, para depois serem clientes de hospitais de câncer e hemodiálises, com tanto sódio e química absorvidos e acumulados, seja pelos hotdogs, hambúrgueres, baurus, americanos, pastéis e coxinhas a nos seduzir.
Lembrar que refrigerante era garapa de cana moída na hora, na beira do alambique, ou a limonada, a laranjada, o café pilado no dia, junto com cravo e até canela, passado em coador de pano e fervido no fogão à lenha, que dava as brasas para o fole e o ferro de passar bem pesado, que mantinham as brasas acesas, que também cozinhavam o feijão com jabá e toucinho com mocotó de fumeiro, o cuscuz, a pamonha, a banana cozida, o inhame da costa e até o beiju, com os bolos de puba, aimpim e de milho.
O tomate, a cebola, o alho e a couve ou o alface eram orgânicos, sem saber, pois o tempero deles era o esterco do gado, pois o dos porquinhos baé serviam para alimentar os peixes do tanque, onde as traíras, tilápias, tucunarés, cascudos e piaus, se fartavam. Os temperos também ali cresciam, com corante de urucum, ervas em abundância para qualquer gripe ou febre, mastruz com leite das vaquinhas pé duro, que não tinham o ubre de uma girolanda, já que na Mata Atlântica o berne e o carrapato não davam trégua.
De dia era o maruim, um mosquitinho quase imperceptível, mas voraz. De noite eram os pernilongos e sapos a coaxar.
E para o banho e todas as outras necessidades de água, nos restava o jerico ou as mulas para carregar no panacum os carotes com água das fontes, que brotavam em abundância, saindo do meio das densas matas, que já sofriam a ganância por suas árvores centenárias ou milenares, serradas a machadadas sem pena ou noção do estrago que estávamos causando à bendita natureza, dizimando os Jacarandás, Cedros, Jequitibás, Sucupira, mognos e até Aroeiras.
Éramos leitores noturnos de estórias infantis, contadas pelos pais e tios, sob o luzir das candeias, lamparinas ou fifós de algodão embebido em querosene jacaré, ou ouvindo estórias de improviso ou repentes em violas, cavaquinhos e violões.
Ali aprendemos a comer de tudo sem direito de reclamar ou escolher. Tinha hora pra tudo, mesmo sem olhar o relógio, pois o sol dizia o momento coerente para cada tarefa.
E crescemos, aprendendo a rezar, pedir benção aos mais velhos e a ter disciplina, moral e virtudes. Quem saia da linha sofria as consequências, nem sempre agradáveis, como verdadeiras torturas, mesmo que breves.
Mas são, mesmo assim, saudosos tempos, que a era da robótica e do individualismo das pessoas, cada vez mais impessoais, fez questão de tumular, impondo um grande temor pelo futuro, mesmo que ainda haja a esperança como norte de vida.
Publicado no Facebook em 24/03/2019
"SÓ QUEM NASCE NA ROÇA CONHECE A ESSÊNCIA DA VIDA"
Nos tempos modernos, nem mais pão com mortadela é chique. Ficou apagado nas mudanças ferozes de paradigmas sociais, de sanduíches e quitutes cheios de condimentos artificiais, para criar zumbis dependentes de lanchonetes e delicatessens modernos, onde se come primeiro com os olhos, para depois serem clientes de hospitais de câncer e hemodiálises, com tanto sódio e química absorvidos e acumulados, seja pelos hotdogs, hambúrgueres, baurus, americanos, pastéis e coxinhas a nos seduzir.
Lembrar que refrigerante era garapa de cana moída na hora, na beira do alambique, ou a limonada, a laranjada, o café pilado no dia, junto com cravo e até canela, passado em coador de pano e fervido no fogão à lenha, que dava as brasas para o fole e o ferro de passar bem pesado, que mantinham as brasas acesas, que também cozinhavam o feijão com jabá e toucinho com mocotó de fumeiro, o cuscuz, a pamonha, a banana cozida, o inhame da costa e até o beiju, com os bolos de puba, aimpim e de milho.
O tomate, a cebola, o alho e a couve ou o alface eram orgânicos, sem saber, pois o tempero deles era o esterco do gado, pois o dos porquinhos baé serviam para alimentar os peixes do tanque, onde as traíras, tilápias, tucunarés, cascudos e piaus, se fartavam. Os temperos também ali cresciam, com corante de urucum, ervas em abundância para qualquer gripe ou febre, mastruz com leite das vaquinhas pé duro, que não tinham o ubre de uma girolanda, já que na Mata Atlântica o berne e o carrapato não davam trégua.
De dia era o maruim, um mosquitinho quase imperceptível, mas voraz. De noite eram os pernilongos e sapos a coaxar.
E para o banho e todas as outras necessidades de água, nos restava o jerico ou as mulas para carregar no panacum os carotes com água das fontes, que brotavam em abundância, saindo do meio das densas matas, que já sofriam a ganância por suas árvores centenárias ou milenares, serradas a machadadas sem pena ou noção do estrago que estávamos causando à bendita natureza, dizimando os Jacarandás, Cedros, Jequitibás, Sucupira, mognos e até Aroeiras.
Éramos leitores noturnos de estórias infantis, contadas pelos pais e tios, sob o luzir das candeias, lamparinas ou fifós de algodão embebido em querosene jacaré, ou ouvindo estórias de improviso ou repentes em violas, cavaquinhos e violões.
Ali aprendemos a comer de tudo sem direito de reclamar ou escolher. Tinha hora pra tudo, mesmo sem olhar o relógio, pois o sol dizia o momento coerente para cada tarefa.
E crescemos, aprendendo a rezar, pedir benção aos mais velhos e a ter disciplina, moral e virtudes. Quem saia da linha sofria as consequências, nem sempre agradáveis, como verdadeiras torturas, mesmo que breves.
Mas são, mesmo assim, saudosos tempos, que a era da robótica e do individualismo das pessoas, cada vez mais impessoais, fez questão de tumular, impondo um grande temor pelo futuro, mesmo que ainda haja a esperança como norte de vida.
Publicado no Facebook em 24/03/2019