Heitoraí: Do Engenho Capim Puba ao povoado de Capelinha
Subsídio para a História de Heitoraí
Heitoraí - Do engenho Capim Puba ao Povoado de Capelinha
* Moura Lima
Está vendo aquele chapadão de chão vermelho do Joaquim Crisóstomo, por onde passava as tropas do velho Batista e as boiadas animadas do Paulo de Lima rumo ao Jenipapo, que se estende à direita da rodovia para Itapuranga, encosta todo sinuoso à borda da ponte do rio Uru e some cascabulhando além, sempre margeando o rio? Pois ali, um dia, foi construído o Engenho Capim Puba, que deu vida às solidões daquelas paragens. Ainda menino, nos meus verdes anos, conheci o engenho, que não funcionava mais, era um fogo morto. E na minha curiosidade infantil de menino traquina, num vu,sem hesitar, subi todo determinado e contente os degraus enferrujados do tanque gigantesco para ver lá dentro, no ventre de aço daquele colosso que tanto me assombrava!
Vá assuntando, meu conterrâneo deste mundão de meu Deus! Aí, sem assombro, nessas ruínas históricas, vim ao mundo em 2 de dezembro de 1950, num sábado chuvoso, às 15 horas, no referido Engenho Capim Puba, situado no município de Goiás, antiga Vila Boa. Quis o destino, no entanto, sem tardança, que eu fosse registrado em Itaberaí pelo meu pai, em razão da dificuldade de acesso à cidade de Goiás. O povoado de Capelinha estava nascendo naqueles ermos dos sertões de dentro do Vale de São Patrício.
Mas, meu conterrâneo, não se avexe, homem de Deus! Vejamos a memória do tempo num fôlego só, sem delongas.
A luta da conquista daqueles sertões bravios, que se alonga no horizonte, não tinha cercas e nem divisas, eram terras devolutas, meu irmão. Foi assim: começava cedo. Ao romper do dia, com o badalar do sino, após as preces matinais, Sinhô Adolpho Guedes, senhor da Fazenda Capim Puba, bom homem, chegava junto, no eito, com os trabalhadores, e com o gerente Domingo, um português bigodudo que comandava os homens; o machado tinia nos jequitibás, ipês, perobas-rosa e jatobás centenários para dar lugar aos canaviais, aos cafezais, às roças de arroz e de feijão. Era um mundo novo que surgia no sertão de Capim Puba e do rio Uru!
Outros trabalhadores, carpinteiros, pedreiros e ferreiros, trabalhavam na construção da casa-grande, da capelinha e dos galpões imensos para abrigar o engenho, os trabalhadores e a serraria. O som estridente estrugia das bigornas no preparo dos machados, foices e facões. Nos canteiros, os malhos e marrões retumbavam nas estacas! Tudo seguia uma organização bem planejada para a implantação do projeto de colonização e desbravamento daqueles gerais imensos. A alimentação era farta, pois as margens do rio eram pródigas em capivaras e antas; no leito, cardumes de piau-cabeça-gorda, pacu e traíras enormes bailavam à flor d’água.
O engenho Capim Puba, para não perder o lampejo histórico, foi fundado pelo português, da Vila Nova de Gaia, Adolpho Augusto Gustavo Guedes de Amorim, em 1905. Na verdade, era uma usina a vapor produtora de açúcar e aguardente para abastecer o mercado de Vila Boa e região. Foi trazida da Europa até São Paulo de navio, e daí levada de trem de ferro até o povoado de Anhanguera, à beira do rio Parnaíba, onde terminava a estrada de ferro. Para frente, já em terras goianas, os pesados maquinismos foram transportados em cima de carretões fornidos, puxados por juntas de bois robustos, pelas estradas esbrugadas do sertão, ou atolando-se nos lamaçais tremendos, atravessando os rios em balsas rústicas até o destino: as margens do rio Uru.
À época foi uma aventura ousada, mas que se tornou um marco na industrialização de Goiás e na fundação do município de Heitoraí.
Assim ficou na memória do tempo a história do engenho Capim Puba, para ser contada mundo afora. Notadamente, aquelas madrugadas sertanejas de moagem eram iluminadas pelas faíscas das chaminés e o cheiro bom de cana moída, e pelo apito sonoro das caldeiras que reboava pelas margens do rio Uru.
O engenho recebeu várias pessoas ilustres. Uma vez por ano, os padres de Vila Boa vinham em tropa para celebrarem a missa nas famosas desobrigas. Era o lugar dos encontros festivos e alegres, dos batizados e casamentos, tirando os sertanejos e ribeirinhos do isolamento daquele sertão bruto. As bandeiras militares, que desciam o rio Uru para combaterem os índios Avá-Canoeiro às margens do Tocantins, bivacavam no engenho para se abastecerem de víveres.
Na área da indústria, Adolpho Augusto Gustavo Guedes de Amorim, radicado na velha capital, foi diretor da Empresa de Navegação a Vapor do Rio Araguaia, um projeto do Presidente das Províncias de Goiás, Grão-Pará e Mato Grosso, General Couto de Magalhães, entre 1908 e 1912, e tinha uma sociedade para exploração da borracha em Conceição do Araguaia, sudeste do Pará.
Nesse contexto histórico, Adolpho Augusto Gustavo Guedes de Amorim foi o pioneiro da construção do engenho Capim Puba, isto é, a usina a vapor para fabricação de açúcar e aguardente, distante 9 léguas da cidade de Goiás, sendo a primeira do estado de Goiás.
Na capital, o açúcar comercializado era o mascavo, como em todo o estado. O açúcar produzido pelos Guedes era branco, em razão da inovação tecnológica de produção, um fator assustador para o atraso de Goiás à época, em razão da economia arcaica. Sendo assim, ao ser apresentado aos comerciantes da capital, o açúcar sofreu medonhas rejeições. Tudo isso porque, do alto das suas estupidezes, por sinal caneludos radicais e sorrelfos com açoite na mão, os comerciantes suspeitaram que houvesse a presença de soda cáustica no açúcar devido a sua aparência de cor branca. Por não conseguirem obter lucros com a sua produção, os Guedes foram à bancarrota.
Apesar das más circunstâncias, a fama do Engenho Capim Puba permaneceu, atraindo pioneiros de terras distantes em razão da exuberância da natureza e a fertilidade do solo às margens do rio Uru. Já naquela época, a Fazenda Capim Puba foi um exemplo de agronegócio.
Em 29 de abril de 1920, morre, no engenho, Adolpho Gustavo Guedes de Amorim, e os herdeiros, em 1930, vendem a Fazenda Capim Puba, com o engenho e tudo, para os paulistas Francisco e Joaquim Crisóstomo.
Por concisão cronológica e histórica, o ano de 1930 assinala a entrada dos primeiros paulistas na região, com a chegada dos pioneiros Francisco e Joaquim Crisóstomo.
No alvorecer de 1938, isto é, oito anos depois da chegada de Francisco e Joaquim Crisóstomo, em pleno verão, também chega à região o paulista Joaquim (Heitor) José de Paula e sua família. Com a compra de parte da Fazenda Capim Puba, de Francisco Crisóstomo, eles se estabelecem à margem direita do rio Uru. Por ser um homem religioso, Joaquim Heitor, em 1948, para pagar promessa, ergueu no alto, no chapadão de chão vermelho, uma capelinha, e em ato contínuo doou à diocese de Goiás dois alqueires de terra para a construção do povoado. Assim, nasceu o povoado de Capelinha. Finalmente, em 1963, Heitoraí.
Por conseguinte, para consolidar a futura fundação do município, foi decisiva a atuação dos fazendeiros precursores: Joaquim Crisóstomo, Joaquim Heitor, Guiomar de Moura, Paulo de Lima, Olavo Costa Campos, Jorge Gama, Luís Cândido Queiroz, Geraldo e João Heitor.
Contudo faz-se meritório o registro histórico da atuação administrativa de Guiomar Rodrigues de Moura em prol da prosperidade de Capelinha, mais tarde Heitoraí. Ele fundou, em 1955, o expresso Moura, com cinco jardineiras, que fazia a linha pioneira de Xixá (Itapuranga), Itaberaí e Goiânia. Fundou também a Cerâmica Nossa Senhora Aparecida, que fabricava telhas francesas; serraria; olaria e a primeira padaria.
Urge lembrar, não obstante, a todos nós e ao executivo municipal que, para preservarmos a memória histórica às gerações futuras, é de bom alvitre homenagear os pioneiros com os seus nomes em monumentos, praças e avenidas. Entretanto, se já o fez, os nossos aplausos!
A emancipação de Heitoraí ocorreu através da Lei de Criação 6.653, de 8 de outubro de 1963, deixando de ser povoado/distrito de Itaberaí. De acordo com o ordenamento jurídico, foi nomeado para prefeito interino o fundador Joaquim Heitor de Paula, em justa homenagem. Em seguida, no ano de1965, fez-se a primeira eleição municipal, e foi eleito Ari Teodora de Sousa para prefeito, e Guiomar Rodrigues de Moura para vice-prefeito.
]Todavia, anos depois, chega a Heitoraí o primeiro padre, Rui Nunes, para assumir a paróquia, e a solenidade ocorreu no recinto da igreja. O autor destas linhas foi o orador da recepção ao sacerdote.
Portanto, no correr do ano de 1899, Adolpho Augusto Gustavo Guedes de Amorim, com a posse da Fazenda Capim Puba, um verdadeiro latifúndio com área de 5 mil alqueires de terras, que abrangia toda a área onde se localiza hoje Heitoraí, deu início a fundação da região. E, assim, firmou-se a verdadeira história do nascimento futuro de Heitoraí, que teve como marco primordial a sua ação empreendedora de desbravamento e colonização. E, como marco civilizatório daqueles fundões de sertão bruto o Engenho Capim Puba, ponto de apoio da conquista do sertão de Capim Puba.
Entretanto, concluído, registre-se o fato, ocorrido em 1969, como um delito perante a história e consumado pelo último fazendeiro que comprou a fazenda com o Engenho Capim Puba do senhor Joaquim Crisóstomo, Juca Davi. Esse fazendeiro, simplesmente, num ato involuntário e mercantilista, vendeu as engrenagens e o alambique gigantesco do engenho para um ferro-velho de Goiânia por uma bagatela. E assim se foi, bojando no ar um pedaço valioso da memória histórica de Goiás e de Heitoraí.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Fontes Primárias
Depoimentos dos pioneiros fundadores:
Joaquim Heitor, Joaquim Crisóstomo, Guiomar de Moura, Luís Cândido Queiroz;
Eduardo Guedes, filho de Adolfo Guedes de Amorim ao autor.
2. Fontes Secundárias
Jornal Democrata-Goiás, 1905.
Mattos, Raymundo José Cunha. Chorografia histórica da Província de Goyaz 1874.
Saint-Hilaire, A. Os Indígenas do Brasil perante a história. 1860.
* Extraído do livro do autor – A Conquista do Sertão de Capim Puba.
1º Edição - Editor Cometa- 2021
*Moura Lima é escritor (Goiano-tocantinense), advogado, romancista, contista, ensaísta, autor de várias obras. Membro da Academia Tocantinense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico, pertence à Academia Piauiense, como membro correspondente.