Davi e Golias
Refletindo sobre a história bíblica e pensando na visão que se tinha em séculos atrás a respeito da infância, descritos na obra de Philippe Ariès, onde o historiador aponta evidências sobre a criança ser tratada como um adulto pequeno, me veio à mente Davi e Golias.
Veja que a tradição hebraica vem de tempos remontas, milênios atrás e devemos evitar o anacronismo. Mas pensando sobre a forma que as antigas sociedades lidavam com sua juventude, mesmo os espartanos na Grécia, assim como o código de Hamurabi, já mais contemporâneo às lendas do Antigo Testamento, pode não ser de todo equivocada uma perspectiva sobre esse famoso episódio bíblico.
Davi fora citado como sendo o caçula de Jessé, o que nos remete a uma idade precoce. Quando o gigante de proporções colossais Golias, desafia as tropas de Israel, a sua visão magnífica pode incialmente ser a desse jovem. Qual criança não fica impressionada com as proporções de um adulto e chega mesmo a exagerar em suas descrições quando consultada a respeito de um episódio. Se foi atacado por um cão, poderá dizer que era um canino dos diabos, com tamanho além das expectativas, presas ferozes e olhos diabólicos.
A forma colossal de Golias, demonstra o impacto dessa figura diante de seu adversário. Tivemos relatos inclusive de uma Cruzada feita por crianças. Crianças guerreiras são comuns nas histórias de nossos antepassados e inclusive na contemporaneidade. Não apenas em tribos que ouvimos falar sobre rituais de iniciação e provas de força para demonstrar que podem ocupar a função de caçadores, mas também os pequenos guerreiros urbanos, agenciados pelo tráfico, portanto fuzis e enfrentando as metrópoles nos semáforos.
A visão que proponho é de um Davi criança, que tratado como um igual pelas tropas de Israel, se levanta para enfrentar Golias, algo muito desproporcional a seus dotes físicos, mas provando que a força pode vir sim do considerado fraco, ainda mais em um povo de fé. O pequeno contra o grandioso, criando assim a grande disputa entre o oprimido e o opressor.
Golias zomba e diz que se perder, todos os seu poderão se tornar escravos, o que serve como motivação de todo jovem pronto a demonstrar seu valor e ser reconhecido entre seus pares. O próprio peso da espada faz Davi claudicar, já que diz a passagem a bíblica que o mesmo não estava acostumado a portar tal objeto. Vejam que o grande guerreiro, armado e vindo sanguinário para o ataque é surpreendido por uma pedra arremessada por uma atiradeira. Qual objeto mais relacionado a infância, desde tempos incontáveis que não esse, que incentiva a caça e a precisão com tiros certeiros em pequenas aves e outras espécies de animais que possam ser abatidas dessa maneira.
Eis então a conclusão, ainda que anacrônica e fantasiosa, como toda boa história. Davi não passava de uma criança, abençoada sim e pronta a representar o seu papel em uma época em que era comum a não distinção entre ofício de adultos e de crianças. O fim do episódio narra a glória do pequeno herói e que minha narração ou qualquer outra ao longo do tempo jamais irá obliterar.