Concepções de linguagem para o ensino linguístico na Educação Básica

A gramática tradicional (Gramática Normativa) entende a linguagem apenas como a expressão do pensamento. Leva-se em conta, portanto, normas estáveis de funcionamento da língua, por meio de uma sistematização convencionada pelo corpo social, na medida em que os indivíduos falantes exercem essa faculdade linguística tão somente como exercício de expressão do pensamento.

O Estruturalismo e o Transformacionalismo compreendem a linguagem como um instrumento de comunicação. A comunicação funcionaria, então, como modo de concretizar um código linguístico individual através do repertório do falante (fixação dos constituintes sistematizados pela gramática tradicional) e do movimento (variabilidade da língua pelo uso concreto e contextual, isto é, a execução que se dá na fala).

Uma terceira concepção de linguagem é a da Linguística da Enunciação, em que a linguagem é vista como uma forma de interação discursiva. A linguagem passa a ser entendida não apenas como uma reprodução das competências do falante para expressar o seu pensamento e para comunicar-se com o seu grupo social, mas também, e principalmente, como um elemento desencadeador de enunciados, os quais atuam semelhantemente a depósito e devolução de significações.

Segundo essa concepção de linguagem, o emissor somente toma consciência do seu papel comunicativo quando da interação com seu receptor. Tanto o emissor quanto o receptor são os agentes dos seus discursos, em uma vinculação receptiva que os identifica como EU (que fala) e TU (que ouve) pelo contraste do que lhes é individual. Em outras palavras: o emissor é assim identificado, pois se reconhece como tal quando do ato enunciativo com o receptor (que é o emissor, também).

Qual é a concepção de linguagem que possibilita, maiormente, que alunos possam expressar seus pensamentos, que possam estabelecer comunicação com seu grupo social e que possam ser agentes do seu próprio falar, do seu próprio reconhecimento como falantes de uma língua e de produtores e reformuladores da sua língua nativa?

Eu, enquanto sujeito sociocultural e enquanto professor, acredito que a concepção da Linguística Enunciativa é a mais apropriada em contexto de Educação Básica, já que a mesma transforma o aluno em sujeito ativo da e na sua individualidade linguística, haja vista que ele pode interferir diretamente na constituição dos elementos linguísticos segundo a sua pró-atividade como falante (formular, reformular, adaptar, extrapolar, contrastar, significar, etc.).

A linguagem é relativamente autônoma como expressão que orienta a visão de mundo do sujeito falante; ela é matéria do pensamento que possibilita o reconhecimento do indivíduo como partícipe da sociedade, e funciona como injunção do EU com os outros, marcando a especificidade de cada falante na produção de uma língua individual e própria. A abordagem, ou concepção da Linguística da Enunciação permite que as várias vozes individuadas na realização da língua por meio da interação instrumentalizem-se tanto pelas recorrências normativas da língua quanto pela “inovação” do uso da língua.

Segundo Vygotsky, o conhecimento é uma construção social, resultado da apropriação pelo sujeito, dos saberes e das produções sócio-históricas da sociedade. Para que se capacite os alunos na organização do conhecimento linguístico, é necessário dar-lhes instrumentalização mediacional. Aqui, refiro-me às instrumentalizações socioculturais, de compreensão do funcionamento das ordens gerais e complexas da sociedade, o que vale dizer, ao entendimento da língua em funcionamento na sociedade. Esse processo de instrumentalização ao conhecimento linguístico é possibilitado pelas interrelações mediadas no reconhecimento dos mais variados gêneros do discurso, criados por diferentes comunidades de prática humana, que circulam socialmente. Ao tomarem conhecimento da existência, do estilo temático e do estilo composicional de uma gama de gêneros discursivos circulantes na sociedade, os alunos estarão conhecendo não somente a linguagem específica de certos grupos sociais que elaboram tais gêneros, mas também estarão conhecendo os próprios grupos sociais, afinal, a linguagem constitui os sujeitos e não apenas é constituída por eles.

O professor linguístico, então, deve agir nesse processo como um sistematizador de conhecimentos (um mediador interrelacional). Sistematizador no sentido de mediar as capacidades específicas dos alunos, como, por exemplo, os mais diversos usos da língua, etc., de modo que elas se tornem um conjunto de micro e de macro habilidades a serem entendidas em relação à sociedade e a serem utilizadas para a compreensão dessa mesma sociedade.