Espelho Negro

Pensar a respeito de espelhos e de imediato se remeter aquela ideia de reflexo. Vejo uma imagem de mim, diante do que imagino ser e isso se evidencia a partir da visão. Um cego não pode refletir, partindo do pressuposto que lhe falta enxergar? Ver seria mais que enxergar e se olhar contra o escuro, o que seria? A cegueira da visão seria apenas um fechar de olhos? O reflexo das sombras não seria o que existe de mais íntimo, já que não se deixa levar pelos efeitos que a luz provoca?

Diante de um espelhos os olhos não podem negar a imagem que aparece de forma opressiva, como inegável visão de si mesmo. Olhar de viés, quando apenas percebemos o ambiente é saber-se presente sem que tenha a constatação do instante imediato de se ver, é uma suposição de presença a partir do efeito que o campo de visão permite. Mas nesse jogo de ver ou não ver, o sujeito se faz em uma construção teatrológica de campo estético. As formas brincam em uma mimese, onde cada gesto é rigorosamente acompanhado dessa sombra em movimento. Sou e não sou dançam em uma composição simulada que chega a ser dissimulada.

Acreditar nesse efeito que tem como causa essa impressão primeira, que se distrai no jogo de luzes que a rotina se cristaliza, faz com que estejamos cada vez mais voltados ao narcisismo, limitados pelo que esse espaço nos reserva, ainda que em cacos. Trincar é fazer com que sejamos fragmentados, em uma composição que pode assumir a postura de um leque ou mesmo se pensarmos em estrias que cortam a superfície e ainda fazem com que a imagem se insinue por cada região territorializada. A fronteira é essa ruptura, que seria o que de mais realista existe diante de um reflexo.

Apagar as luzes é estar diante do espelho e não se ver. O efeito do reflexo faz passarmos para o campo da memória, onde a lembrança de se ver se insinua de forma violenta, tentando romper a escuridão e clarear a mente. O cego de nascimento não teria essa primeira impressão do espelho, restando apenas esse espaço sombrio que sentimos invadir o que imaginamos ser e que podemos também vislumbrar ao fechar os olhos, embora apenas um leve levantar de pálpebras possa fazer com que o reflexo invada e tome conta da visão. Ver ou não ver, eis a ilusão.

Romper com as luzes é se ver diante de tudo aquilo que escapa a luminosidade, aprofundando nesse espaço que denominaram universo e que cada vez se torna mais amplo. Uma fratura nada mais é que sombra que corta, o vazio real que abre caminho diante da luz opressora, fazendo-se tudo já que é todo. A sombra é muito mais do que a mera não referência luminosa, mas ela justifica a luz e assim como a faz emergir, também a engole em uma matéria escura e que é possível se ver, ainda que não se enxergue. Vamos chamar de espectral essa presença da ausência, que é a sombra não vista em cada gesto do espelho e do próprio corpo, como perceptível em cada feixe de luz.

Assim, o espelho negro retrata o que há de mais real na impressão, o âmago, aquele estado mais íntimo, que compõe o início e o fim, do útero ao túmulo. O cego é aquele que consegue ver atravessando a barreira dos olhos, chegando a escorrer pelos outros sentidos, nesse plano que excluir todo o resto, já que devora se interrupção. Não é a noite que cai, mas o sol que se afasta para que possamos vislumbrar muito mais do que o dia pode conter e se mergulharmos além das nuvens, seremos abraçados por essa Nuit. Não é possível saber porque da supremacia branca, em uma análise de racismo, já que o predomínio é negro, não desejando criar nenhuma polêmica quanto a etnias ou qualquer outra classificação discriminatória, mas apenas pensando que a matéria negra é superior e a Física que o diga. Que tenhamos mais espelhos negros e que a estética se renda a esse lado sombrio quea todos conecta.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 02/06/2016
Código do texto: T5655011
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