MOURA LIMA: A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE

 

 

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MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL

Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo.Crítica Literária, Titular da Academia Goiana de Letras, professora emérita da UFG.

 

 

 

 

MOURA LIMA

 

A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE

 

 

 

 

Estudo crítico-histórico-biográfico

 

Seleção de textos do Autor

Fortuna crítica: Assis Brasil e

Clóvis Moura

 

 

 

 

ENSAIO 2003

 

 

MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL

 

 

 

 

 

 

 

MOURA LIMA

A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE

 

 

 

 

Ensaio crítico-historiográfico

 

 

 

ENSAIO 2003

 

 

 

 

CO-EDIÇÃO UNIRG/FAFICH

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Copyright by Moema de Castro e Silva Olival

 

Reservados os direitos de reprodução

para todos os países.

 

Capa:

Desenho Djow

 

Diagramação:

José Wilson da Silva Ribeiro

 

Editoração Eletrônica:

José Wilson da Silva Ribeiro

 

 

FICHA CATALOGRÁFICA

 

Olival, Moema de Castro e Silva.

MOURA LIMA: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, por Moema de Castro e Silva Olival – Gurupi: Gráfica e Editora Cometa, P. 118 - 1ª Edição – 2003.

 

1. Literatura Brasileira ENSAIO.

2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária.

Organização da coletânea : Gráfica e Editora Cometa

 

I. Título

CDU: 869.0(817.32)-34

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

Prefácio - Mario Martins.................................................................06

Apresentação da obra do escritor Moura Lima

— traços biográfico.......................................................................08

Introdução....................................................................................17

A Obra Mouriana ...........................................................................18

O mundo contístico. Estilização e Oralidade......................................21

Ficção e História em Moura Lima....................................................25

Estrutura Narrativa de Serra dos Pilões............................................27

Personagem e Ação... .....................................................................29

Espaço e Tempo..............................................................................33 estilísticos.............................................................34

Leitura Crítica de Chão das Carabinas..............................................36

Temática..........................................................................................37

Manejo da Linguagem......................................................................41

Espaço e Tempo..............................................................................42

Conclusão.......................................................................................44

Seleção de Texto da obra de Moura Lima.........................................45

Fortuna Crítica: Assis Brasil, Clóvis Moura, Stella Leonardos. Aluysio Sampaio ,

William Palha Dias. José Mendonça Teles, Mário Martins, Adrião Neto...................................................................................95

Referências Bibliográficas................................................................103

Curriculum Sucinto da Autora...........................................................116

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM MOURA LIMA

MÁRIO MARTINS

 

 

 

 

 

 

 

 

“MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, este é o título do novíssimo livro de MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL (Goiana, de Goiás Velho, 1932). Figura das mais ilustres da literatura goiana. Filha de Colemar Natal e Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier GUIMARÃES NATAL. Este, aliás, único goiano até hoje(2003), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro de 1860, na antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás.

Moema de Castro e Silva Olival, já foi estudada na ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante, com edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, em 2001. É também verbete do livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento e também do DICIONÁRIO DE MULHERES, de Hilda Agnes Hubner Flores, bem como ainda do DICIONÁRIO DO ESCRITOR GOIANO, de José Mendonça Teles e mais ainda do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br.

Pois bem, é exatamente esta figura ilustre, Professora aposentada da Universidade Federal de Goiás, membro da Academia Goiana de Letras e Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas, pela Universidade de São Paulo, que acaba de produzir tão significativa obra. Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Morasse ele no eixo RIO/SÃO PAULO já teria sido, certamente, um dos nomes recomendados pela revista VEJA, em sua coluna especializada.

Moura Lima é o escritor referência do Tocantins, pois, com o seu romance Serra dos Pilões –Jagunços e Tropeiros, depois de ser ungido pela crítica autorizado do país, teve o mérito de colocar o Estado do Tocantins no mapa da literatura Brasileira.

Com o ensaio, “MOURA LIMA- A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, a ilustre titular da Academia Brasileira de Filologia e festejada crítica brasileira Moema de Castro e Silva Olival, apresenta um dos mais bem elaborados estudos da obra romanesca e contística do escritor tocantinense Moura Lima, a partir dos romances SERRA DOS PILÕES, CHÃO DAS CARABINAS e dos livros de contos VEREDÃO, MUCUNÃ e NEGRO D`ÁGUA.

Embora seja este o segundo estudo acadêmico em que o autor tocantinense é contemplado, sendo o primeiro do crítico brasileiro Francisco Miguel, com o título “MOURA LIMA-DO ROMANCE AO CONTO- TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, a brilhante crítica goiana, apoiada em profícua experiência literária, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra mouriana, recupera a unidade dos textos, “farolando-os” por dentro, para facilitar a decodificação que norteia a engrenagem latente de seu mecanismo criador.

Assim sendo, a notável crítica, para robustecer o processo investigativo literário, procurou firmar-se na visão transfenominal do mosaico romanesco mouriano, ungindo-o à reflexão do estrato original das obras em estudos, ou seja – o afloramento das qualidades metafísicas – que acompanha o pulsar da fenomelogia materializada à transposição da linguagem, na estrita observância dos elementos que são capazes de movimentar uma metalinguagem aderida pelo autor à elaboração de seu projeto ficcional.

Portanto, o riquíssimo estudo da Professora Moema de Castro, além de instruir o processo investigativo da criação narrativa de Moura Lima, ministra lições profundas de como deve ser o procedimento do estudo de uma obra literária, cumprindo assim, uma etapa analítica e outra didática, de grande alcance. Observa-se, por exemplo, por dentro de sua investigação literária, um manejo sólido da bibliografia abundante e vasta, sem intenções preconcebidas de rebuscamentos eruditos agressivos. Em Moema de Castro, tudo é analisado à luz do próprio texto!

 

 

Mário Ribeiro Martins é membro da Academia

Goiana e da A

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRITOR

MOURA LIMA.

 

 

 

 

Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos. O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velho e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.

Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina-Piauí.

E, nas palavras do próprio escritor: “– Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.

Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:

“– Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.

“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.

Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.

Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. (in Jornal Folha da Cidade).”

Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.

Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí, e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a conclui-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil – Grande Oriente do Brasil. É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.

É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n. º 15 (ex-vice-presidente), e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins; pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.

Por força do Decreto Legislativo n. º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.

Moura Lima busca construir seu mundo virtual estilizando, na expressão, a norma popular regional, com a qual conviveu desde sua origem, tarefa que lhe foi facilitada graças à continuidade no trabalho fundiário, o que lhe permitiu conquistar e ampliar a vivência no referido campo, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.

Moura Lima, contista, ensaísta, folclorista e romancista, vem-se dedicando, pois, com afinco e talento, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem amalgamada pela própria experiência de vida, portanto fiel ao húmus da terra goiano-tocantinense, seu natural habitat, em busca de uma forma legítima e criativa de expressão, embora reconheça que a perfeição é, tão-somente, um ideal a perseguir. Na sua labuta de escritor, visando atingir o âmago de seu projeto como romancista e contista de sua região, vai adquirindo autoridade para tanto, uma vez que a realidade lhe está de tal maneira entranhada na sua vivência de escritor, que a matéria de sua obra—homem, fauna flora, perfis, mitos, crenças— palpita com a intensidade que só a experiência pode esculpir.

 

 

PREMIAÇÕES RECEBIDAS PELO ESCRITOR MOURA LIMA

 

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.

Prêmio “Destaque do Ano” – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance.

Serra dos Pilões, como a melhor obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.

Prêmio “Personalidade Cultural” – UBE-RJ / 1999.

Prêmio “Malba Tahan” de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ.

Obra: Veredão – Contos Regionais e Folclóricos.

Prêmio “Profº Joaquim Norberto” / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ.

Obra: Mucunã – Contos e Lendas do Sertão.

 

OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA:

 

Enciclopédia de Literatura Brasileira – Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Ministério da Educação/FAE, 2ª Ed., Rio, 2001.

Antologia de Autores Tocantinenses – Márcio Barcelos e Erlene S. Dias. Ed. Kelps, Goiânia-GO, 2000.

Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário Souto Maior.

Dicionário do Escritor Goiano – José Mendonça Teles. Kelps, Goiânia-GO, 2000.

Dicionário Biobibliográfico de Goiás – Mário R. Martins. Master, RJ, 1999.

Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.

Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS – Cartográfica, Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.

icionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos – Adrião Neto. Teresina-PI, 1998.

Fazer o Piauí – Crônicas do Meio-Norte – Enéas Athanázio – Ed. Minarete, 2000 – Santa Catarina.

Coletânea – Escritores Brasileiros em Prosa – Adrião Neto. Teresina-PI, 1999.

O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga. (Inédito)

Apocalipse – Espécie Terminal – Assis Brasil/2001- IMAGO/RJ.

Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto. Teresina-PI, 2000.

Documentário jornalístico literário sobre “Serra dos Pilões” – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins, 1995.

Moura Lima: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins (Ensaio) – Francisco Miguel de Moura/2002 – Cometa/TO).

Moura Lima: A voz pontual da Alma Tocantinense (Ensaio) - Moema de Castro e Silva Olival - Editora Cometa/TO- 2003.

 

 

 

OBRAS DO AUTOR

 

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO, 1971.

Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971. Graf. Sousa, Itaberai-GO, 1971.

Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros (primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1ª ed. 1995 (esgotada); 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada); 3ª ed., Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.

Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.

Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª ed. 1999, Ed. Cometa (vestibular FAFICH-TO), ESGOTADO.

Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal Meio Norte (Encarte), 2001, Teresina-PI.

Mucunã – Contos e Lendas do Sertão. Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2000 (vestibular FAFICH-TO), esgotada.

 

Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas. Romance, Ed. Cometa, Gurupi-TO, 1ª ed., 2002.

Negro D’Água – Lendas e Mitos do Tocantins. Contos – Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2003.

 

INÉDITOS:

O Caminho das Tropas – Revoltosos, Peões e Boiadas (Romance).

Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.

Solidões do Araguaia (Romance).

O Canto da Seriema (Romance).

Egrégora Poética.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

“O ódio do povo era represa que se enchia. Tomava força devagarinho de nascentes desconhecidas, à espera de alguém que lhe abrisse as comportas”.Eli Brasiliense, in Rio Turuna.

“O mito é a verdade do coração: pensamento: pensamor”. Guimarães Rosa.

 

 

Mais uma obra literária regionalista? Um novo Bernardo Guimarães, com o estudo do garimpeiro nas regiões centrais, ou um Afonso Arinos, com seus bem delineados tipos e paisagens sertanejos, ou um Hugo de Carvalho Ramos, o pioneiro na tradução de “nossas primeiras gestas”, ou um Bernardo Élis, narrador épico desse nosso “chão analfabeto”, ou Eli Brasiliense, no acendrado amor ao seu torrão tocantinense, — que, à época, também era goiano—remexendo nos respectivos valores, mitos e mecanismos interiores de suas personagens sertanejas, ou Carmo Bernardo, o mestre de nossos “ causos” regionais, na profunda vivência do potencial ecológico do “ hinterland” goiano, todos, amálgama vital das vozes palpitantes e desconhecidas desse Brasil Central? Ou, então, um Adonias Filho, do recôncavo baiano, ou Guimarães Rosa, dos Gerais mineiros, ou Graciliano Ramos, o épico da “ vida retirante” do nordeste, ou Simões Lopes Neto, nos registros contísticos dos pampas gaúchos?

 

Algo de forte, marcante, irrompe para nós, agora, nessa trilha. Não tem, surpreendentemente, o objetivo, apenas, de imprimir continuidade no desvelar da região interiorana, em tomada conjunta de seus valores vitais, e apanhada como bloco único, como o fizeram seus antecessores, mas, agora, acompanhando o fato histórico da divisão dos territórios Goiás-Tocantins, projeta-se, em iniciativa pioneira, a ser a primeira manifestação oficial, dramatizada—através de contos, “ causos”, lendas, mitos, romances— da alma tocantinense. O pioneirismo fundamenta-se, exatamente, no dado político-administrativo de sua autonomia política, não podendo escapar, no entanto, da unidade de um substrato mítico comum que ainda imprime selo goiano a essa alma do novo Estado, sem dúvida enriquecida por algumas peculiari afeitas ao ritmo de vida da região.

Assim é que “flashes” de primitivismo selvagem, decorrentes da ignorância e do abandono político-administrativo desses “ fundões”, atrocidades, bravuras, grandezas e pequenês de alma surpreendentes, variações do que, se já era tradição no sertão brasileiro, adquire, agora, com Jorge Lima de Moura ( nome literário: Moura Lima), feições peculiares, muitas vezes, particularizações históricas da alma de uma região, expostas nas suas lendas, mitos, riquezas ecológicas, como a Serra dos Pilões, a do Jalapão, etc. Envolve, ainda, os rios, seus mistérios e curiosidades intrigantes que alimentam, não só a fertilidade ambiental, quanto o imaginário local, este, enriquecido matiz do substrato comum, já mencionado acima, burilando o perfil de seus heróis e anti-heróis.

Se sabemos, com Ferdinand de Saussure—apud Alfredo Margarido, da Universidade de Lisboa1 —que “ Os costumes de uma nação exercem pressão sobre a sua língua e, por outro lado, é, numa larga medida, a língua que faz a nação”, não podemos, usuários da Língua Portuguesa no ( e do) Brasil, menosprezar o extraordinário acervo do falar peculiar de uma determinada região, no caso, da região do Tocantins, em emprego estilizado pelo escritor, dentro da sábia orientação que presidiu ao lavor literário de alguns de nossos regionalistas, à frente Bernardo Élis, sobre cuja técnica, na busca da melhor exegese da respectiva obra, evocamos a orientação de Antonio Cândido2 , no seu ensaio sobre “ I Malavoglia”: “ Nenhuma maneira melhor há de se aproximar de um povo, senão através do ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”. Deste modo, chamamos atenção para o papel desempenhado pelo apelo que Moura Lima faz ao ritmo de seu povo, demonstrado pelos abundantes modismos, torneios frasais, construções peculiares, léxicas, sintáticas, e sobretudo semânticas, a colorirem, com a pulsação da vida regional, o seu texto narrativo. Por vezes, tão inusitadas para nós, que soam como páginas estrangeiras. Aliás, o autor, prevenido, nos oferece glossários esclarecedores, já havendo elaborado um Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.

 

 

A OBRA MOURIANA

 

Embora, neste momento, nosso objetivo maior seja a leitura crítica dos romances de Moura Lima, façamos algumas observações básicas sobre sua obra contística, que, até este momento, maio de 2003, abrange os livros:

 

—Veredão. Contos regionais e folclóricos. I ed. 1999. Gurupi: Multigraf Araújo, 1999. Prefácio de Eduardo Campos

 

— Mucunã. Contos e Lendas do Sertão. I ed. Gurupi, Gráfica Cometa, 2000.

 

—Negro dÁgua. Mitos e Lendas do Tocantins. Contos. Gurupi: Gráfica e Editora Cometa. I ed. 2003.

 

1 Margarido, Alfredo. Revista da Academia Brasileira de Filologia, ano I, n. I, nova fase, 2002, p. 9.

2 Cândido, Antonio. “ I Malavoglia” in Língua e Leitura. Gráfica da Universidade de São Paulo, 72

 

 

 

 

 

 

O MUNDO CONTÍSTICO. ESTILIZAÇÃO E ORALIDADE

 

 

 

Quanto aos livros designados como de contos, teríamos a observar: Moura Lima foi previdente ao colocar, junto à designação “conto”, a possibilidade de referência a outras formas narrativas, uma vez que, muitas das lendas e mitos, matéria rica do folclore regional, nos vêm na forma simples das seqüências narrativas espontâneas (causos), sem elaboração estrutural da forma, exigência necessária no conto.

 

Porque, hoje, já se consolida a diferença. A princípio, pode parecer tratar-se de mera formalidade terminológica, mas, na verdade, entra-se em terreno da crítica contemporânea.

 

Se Mário de Andrade teria sido o responsável por uma definição liberada do conto: “ tudo aquilo que o autor designa como tal”, preocupações atuais—tendo em vista a estrutura do texto e a consciência crítica do leitor, objetivando seu alcance no processo da decodificação-procuram estabelecer características pontuais que possam distingui-lo de uma forma narrativa simples, ou mesmo da crônica, gênero limítrofe.

 

Assim, em nosso último livro O Espaço da Crítica II: A Crônica: dimensão literária e implicações dialéticas (2002 )3 , procuramos refletir sobre o assunto e, com apoio em Julio Cortázar, posicionamo-nos a respeito, tomando-o como uma narrativa intuída, sem dúvida, mas estruturalmente armada em óptica subjetiva, concisa, com unidade nuclear de seus elementos formais, sobretudo do ponto- de- vista, exigindo domínio criativo dos recursos da linguagem.

 

No conto, segundo o crítico argentino, “ deve-se buscar nocautear o leitor, deixando-o chapado da primeira à última linha”. ( Valise de Cronópio, 1974, ).4

 

Por isso, reiteramos o aspecto louvável da medida preventiva do englobando formas simples e espontâneas, sustentadas na oralidade da região. Ainda nessa circunstância, não se pode ignorar a forma saborosa, fluida da voz narrativa do escritor, como, no livro Negro d´Água, “ Lenda da Origem do Povo de Carajá”, ou, o próprio conto “ Negro d´Água”, este último incluído tanto no livro homônimo, quanto em Mucunã e Veredão, como também, em Mucunã, os contos “ Mula-sem-cabeça”, ou “ Lobisomem” e outros. Aliás, este foi um recurso largamente usado no último livro de Moura Lima, Negro D´água. (2002-03),que ostenta o título de um de seus livros, como já demonstrado, sendo, portanto uma técnica recorrente do escritor. Por exemplo: de Veredão, (1999), anotamos a repetição de três contos, a saber: “ Assombração”, “ O Iluminado” e, conforme o já mencionado: “ Negro d´Água”. E de Mucunã (2000), quatro contos: “Mula-Sem-Cabeça”, “Lobisomem”, “Do Corte de Faca veio a salvação”, e “A Tocaia”.

Como curiosidade, então,o fato de os títulos dos livros de contos adotarem, sempre, o nome de um dos seus contos.

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Em Veredão, que segue o ritual acima mencionado, sendo o conto homônimo um dos melhores do livro, prevalece a referida forma narrativa.

Assim, este conto “ Veredão” perfila-se, ao lado de outros extensos ( quase novelas) como “ O canto da seriema” que, aliás, parece-nos, seja o núcleo de um futuro romance, opinião partilhada pelo crítico literário Francisco Miguel, membro da Academia Piauiense de Letras, em seu texto crítico publicado em Folha da Cidade-Gurupi, 28/3/02, em que nos fala dos novos projetos de Moura Lima e menciona O Caminho das Tropas e Canto de Seriema.

No referido conto, como, também, em “ Tropeiros do Jalapão”, ou em

“O Jaguaretê da Mão Torta”, por exemplo, sensibiliza-nos a profunda experiência revelada pelo narrador em relação à sua realidade que passa a alimentar, de maneira substanciosa, a narrativa, tornando-a, ainda que ficcionalmente, documental.

Também, encanta-nos o processo de mediação de sua linguagem regionalista, apanhada num recurso estilizado, conforme já dissemos, e percuciente, a ponto de ser capaz de energizar o relato, para cujo fato contribuiu, de maneira enriquecedora, o extraordinário acervo de expressões regionais, modismos, ditados populares, que ajudaram a singularizar as imagens do sertão tocantinense. E quanto ao processo da transcrição da oralidade, não se trata, como afirmamos também a respeito de Bernardo Élis, da transcrição ipsis litteris da fala regional, mas de seu aproveitamento literário, capaz de traduzir a ideologia do escritor. Vejamos.

No caso de Bernardo Élis, a ideologia traduziria projeto reivindicatório, com matizes de um discurso político-social, veiculando voz de protesto em favor de um povo-de seu povo-“ desguarnecido” das condições essenciais de sua cidadania. Nele, sintagmas como “ chão analfabeto”, ou “ chão parado” teriam o propósito de estigmatizar a realidade enfocada. Na curva dos processos de mediação da fala, Bernardo Élis aperfeiçoou-se, indo de um estágio mais incipiente, centrado nas deformações vocabulares, do falar regional, registros que vinham entre aspas, como receoso de enfrentar o julgamento de seus leitores de então, que poderiam julgá-lo desconhecedor das normas cultas, cuidado revelado em Ermos e Gerais (1944), atingindo, depois, em Veranico de Janeiro,(1966) ponto alto nessa técnica que abraçou, com inteira liberdade, de maneira, até, desabusada, colorindo com ela seu texto narrativo, inclusive, mas já se direcionando para a primazia ao ritmo, modismos e construções da oralidade, seguindo as novas tendências nacionais. Mostra esse traço, também, em Apenas um Violão, livro de contos bem posterior (1984), como a ver, no ritmo da oralidade, o toque fiel para traduzir a alma regional. Mas, em Caminhos e descaminhos, (1965), com alguns de seus mais belos contos, como “Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”, mais tarde adaptado para o cinema e a televisão, no curta- metragem Índia, a filha do Sol, ou “Uma certa porta”, encontrávamos um Bernardo mais preocupado com o burilamento estético no emprego dessa oralidade, buscando traduzir o regional, mais na temática, que nos recursos acima apontados. Se bem que, o que o caracterizou como escritor da oralidade tenha sido, exatamente, o fato de se tornar seu grande intérprete, ora fazendo, dela, elemento delineador de sua proposta literária, no intento de traduzir a alma regional, ou, então de transformá-la em recursos de estrutura mimética, responsável, por exemplo, pela frase plástica, ou rítmica, esboçadora de imagens dinâmicas, como se vê em Apenas um violão, no conto “ Explosão demográfica (minueto em fó menor)”,em que Bernardo cria, literariamente, ritmicamente, um texto musical, formal e tematicamente tecido em torno da fome. ( Não se esquecer que, na época, 1984, havia uma cruzada universal em favor dos famintos da Etiópia. Quem não se lembra de artistas do mundo todo, em coro internacional, cantando “ We are the worl.”?)5

Bem, a digressão em torno dos recursos de oralidade empregados por Bernardo Élis, o introdutor, em Goiás, dos moldes de sintaxe divulgados pelo Modernismo, tem o objetivo de situar melhor Moura Lima nesse espaço, em que se distingue, não só pelo tom reivindicatório de sua proposta, ainda que mais direcionada ao ataque à pressão política de certos coronéis, em especial à força política dominante no Estado, do que voltada para as angústias do ser humano sujeito a esses regimes de opressão, campo privilegiado de Bernardo Élis. Acrescentaria, a esta observação, um toque muito gratificante que nos oferece Moura Lima: o de indisfarçável ufanismo pelaliparece ansioso em ter registrada, para a história, a autenticidade de seu torrão natal , de suas atividades peculiares: tropeiros, vaqueiros- jagunços, de suas lendas e belas paisagens. Ama seu torrão e, disso, nos torna, a seus leitores, participantes. E isto parece transmitir à sua obra um peso histórico-documental ( preocupação com o registro), quase tão forte quanto o propriamente, político-social. ( preocupação com a denúncia). Neste item, transparece, forte, uma voz acusadora, um alter-ego do autor, a qual aponta para as arbitrariedades e as pressões políticas, atitude registrada nos fatos e em ardis da trama, ( ver metáfora da árvore baru, por exemplo) mas, não em jogos da expressão linguística como em Bernardo Élis, ( Chão analfabeto, Sol macho, etc)

Moura Lima, sem dúvida, ocupa, com denodo, o pódio da literatura tocantinense, projetando-se à condição de primeiro romancista e tradutor da alma do novo Estado..

 

E, se com Mattoso Câmara Jr, sabemos que a língua é em si mesma um dado cultural, queremos insistir em mostrar que a “ciência” do autor- narrador, na interpretação de uma realidade regional , através do seu processo de mediação, não precisa valer-se da fidelidade do gravador, mas, sim, do colorido da “ sugerência” literária, de cujo grau, maior ou menos, retiraremos nossa avaliação sobre o autor e seu potencial de criatividade.

 

Então é preciosa a literatura de Moura Lima, não só pelo vigor de suas tintas literárias, quanto pelo esforço de registrar, antes que se perca, na inevitável trajetória da caminhada histórica rumo à globalização, a autenticidade do perfil de seu rincão.

 

Tanto nos contos, quanto nos romances, Moura Lima trabalha a vida “ tão barata” do sertão, vida que ainda se alimenta do perigo, da violência, da ousadia, da coragem. Vida em que as noções de honra são estrelas fugazes, num céu de selvagerias, confrontos, frutos do abandono das leis e dos direitos legais que devem amparar o cidadão.

 

 

3 Olival, Moema de Castro e Silva. O Espaço da Crítica II: A Crônica- dimensão literária e implicacões dialéticas. Goiânia: Editora Kelps, 2002.

4Cortázar, Júlio. Valise de Cronópio. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974,, p..70.

5 Apud Olival, Moema de Castro e Silva . In O Espaço da Crítica. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1998, p. 156.

 

 

 

 

 

Ficção e História em Moura Lima.

 

 

Como romancista, o nosso escritor abraça o filão histórico. Se Tolstoi já pregava:

“ se queres ser universal, fala de sua aldeia”, encontramos, na ficção de Moura Lima, no potencial arregimentador de sua realidade regional, apanhada numa feliz confluência de dado histórico, talento criador e imaginação poética, encontramos, pois, fiel amostragem de um protótipo de literatura regional: a tocantinense. O autor aponta, para a posteridade, o perfil da alma tocantinense, a partir da feição de seu povo, de sua geografia, ecologia, fauna, flora, rios, de sua cultura, de sua linguagem. E, no trazer a fala de sua região, abre, para os estudos filológicos de caráter dialetal, rico filão, sobretudo, como já afirmamos, nos registros dos modismos e expressões peculiares, intérpretes de sua cultura.

Os romances: Serra dos Pilões (1995; 1996; 2001) e Chão das Carabinas ( 2002) são históricos, na medida em que “ o saber” de que lançam mão é retirado da história.

Serra dos Pilões registra a tragédia da Vila de Pedro Afonso e a perseguição, pelas terras do Jalapão, dos jagunços responsáveis. Chão das Carabinas traz a história sangrenta da Vila do Peixe. Ambos valem-se dos registros históricos, no que diz respeito aos dados da ação e à categoria sócio-cultural dos vultos mencionados, mas, como criação ficcional, constroem a sua “ verdade”.

Porque, sabemos, a partir do momento em que se tece a ficção, não haverá mais a preocupação em torno do rigor da “ verdade histórica”. O que importa é a “ verdade do universo ficcional” cuja trama, quanto à eficiência de sua “ urdidura”, depende do talento de escritor.

 

Aliás, sobre a relação Ficção e História, muito já se escreveu. Nós mesmos, no ensaio crítico “ Ficção e História”6 , discorrendo sobre o terceiro romance de Bernardo Élis: Chegou o Governador7 , relembramos ser, este processo de união Ficção e História, uma das sete diretrizes básicas dentre as tendências do romance moderno no Brasil, conforme observações a respeito da matéria mencionada, feitas pela ensaísta e crítica Nelly Novaes Coelho.8 Só para relembrar, as demais tendências seriam: a que mescla ficção à memória; a ficção experimentalista; a “ desenvolta”; a do humanismo dramático, a do convívio cotidiano e a do húmus regionalista. E, interessante, frisa Nelly, estas tendências não são rigorosamente independentes. Alioura Lima que se situam nos espaços da primeira e da última, com breves incursões pelas segunda e quinta.

 

 

 

6 Apud Olival, Moema de Castro e Silva. Cadernos de Letras. Série Literatura Goiana, n.5, ano 1988, do ICHL- UFG, p.8.

7 Élis Bernardo. Chegou o Governador. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1987.

Coelho, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem: a obra lit

 

 

 

 

 

 

 

ESTRUTURA NARRATIVA DE SERRA DOS PILÕES

 

 

 

 

Vejamos, pois a estrutura narrativa de Serra do Pilões. Temática:

Quanto ao “ saber” histórico de que se utiliza, e que fundamenta sua temática, já ficou claro. Como ficção, recria, para seu mundo virtual, uma fase primitiva de nosso sertão-agora delimitado em novo Estado Federativo-cobrindo um espaço ilhado da civilização, e traz, como arquétipos soberanos daqueles “ fundões’, mitos primazes latentes no ser humano em ritmo de tocaia, aguardando oportunidades de manifestação, que surgem, muitas vezes, decorrentes de falhas dos sistemas governamentais que amparam o cidadão: violência, opressão, a injustiça, cobiça, ódios, vingança, etc. São perfis do homem regional, prisioneiro das circunstâncias político-sócio-culturais que o rodeiam, mas que dão mostras, ocasionais, é verdade, de seus anseios universais, como “ ser”.

Daí o realce do processo de transposição da “ fala” desse homem, a qual o situa no contexto nacional. Os dados mencionados permitem-nos sintetizar a temática do romance como: as forças político-sociais-culturais que movem o homem dos ermos do sertão tocantinense.

A respeito do livro que, como vimos, está em sua terceira edição, agora revista e ampliada, como romance de destaque do Tocantins, não poderíamos deixar de nos referirmos ao prêmio Personalidade Cultural conferido ao seu autor, pela UBE do Rio de Janeiro.

Vejamos algumas opiniões críticas, como a de Messias Tavares:

“ Uma saga de jagunços e tropeiros nos sertões do Jalapão. São quatrocentas páginas de pura emoção, pelo verde da paisagem soberba daqueles cafundós de chão bruto! (...)

Serra dos Pilões retrata, na sua bem estruturada fibra de romance regionalista, a alquimia da verdadeira criação literária: o sopro épico das grandes epopéias sertanejas, incorporando, de forma vigorosa, o folclore, a força dialetal tocantinense, o mundo turuna dos jagunços, o cenário agreste do Jalapão, no mapa literário do Brasil.”

 

E, a de Assis Brasil, romancista, crítico literário, colaborador do Suplemento Dominical dos principais jornais do país:

“ Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte”.

 

Com certeza, partilhamos da opinião do sociólogo, ensaísta, escritor e crítico Clóvis Moura, expressa na apresentação de Serra dos Pilões, de que no romance regionalista, além do intuito de expressar uma região, deve-se ter fortemente delineada ( aliás, condição sine-qua-non da obra de arte) a expressão do poder criador do referido autor. Isto se configura através do processo de transfiguração e resulta em conjunção dinamizadora dos elementos estruturais da narrativa, sobretudo personagem e ação, sem minimizar o papel dado ao espaço e tempo, este, sobretudo, se for interior., aspecto não priorizado aqui, é preciso ressaltar.

Também reforçam esse ponto de vista Eli Brasiliense, no seu prefácio, um tanto tendencioso politicamente, mas apaixonado pela região que se incluía, à época, nas terras goianas, e que, embora administrativamente, jogada, agora, para outros limites geográficos, espelha, sem dúvida, muito da nossa cultura e, ainda, a poetisa Stella Leonardos que, no seu belo poema, nos traduz condições vitais da obra de Moura Lima, conseguindo espargir, com “ Repensando Serra dos Pilões”, intensos fluidos poéticos sobre as páginas épicas do romance em questão, como podemos constatar aqui: “ (...) —E as cores do populário?/ E o místico sincretismo?/ E o flagelo dos jagunços?—Das notas reais de outros tempos./— Só sei que o romance vosso,/ só sei que o talento vosso/ são mais que ficção e História./ Em nós rapsodos se tornam,/ rapsodiar inesquecível, / regionalista rapsódia./”

 

Interessante que toda a narrativa se move em terrenos do Jalapão, fato sempre mencionado, havendo, talvez, apenas uma referência específica à Serra dos Pilões, nome que acaba intitulando o livro. E por referir-se ao espaço da felicidade, quando capitão Labareda confidencia ao seu amor D. Bela: “ Também fui feliz na minha infância, lá na Serra dos Pilões”, não estaria este critério apontando a intenção de imprimir ao local uma imagem metafórica, capaz de extrapolar do terreno denotativo da indicação geográfica, para o único espaço sede desse sentimento, tão raro e tão inatingível naqueles rincões? O fato indicaria recurso de transfiguração, fruto do processo criativo do autor , e seu papel seria o d e tornar Serra dos Pilões símbolo do sentimento cuja busca vem embutida na temática, como meta a ser perseguida pelos filhos do Tocantins. A saber: Serra dos Pilões, símbolo da busca da realização, da felicidade. Daí o título. Sem dúvida, possibilidade bem criativa e enriquecedora.

 

 

Personagem e ação.

 

 

 

Instigante, para o leitor, o encontro com personagens já desvelados por outros de nossos regionalistas, como, por exemplo, Abílio Batata e Cipriano, vultos chaves de Bernardo Élis ( O Tronco) e Eli Brasiliense ( Uma Sombra no Fundo do Rio, Rio Turuna) e que, com Moura Lima, continuam a exibir suas lideranças nas violências e desatinos, sobretudo o primeiro, ou com inesperados gestos de generosidade, sobretudo o segundo.

Personagens— mola vital dos romances—planas, redondas, personagens de ação, ou melhor, de reação, na verdade, todas elas, constituindo, ainda que em contraponto, como neste romance, rotulado como de ação ( e aí entra a dosagem criativa do autor), marcos necessários para o equilíbrio do desenrolar da trama.

Referimo-nos a personagens de reação. Na verdade, situam-se assim, até mesmo alguns dos bandidos, se pensarmos bem uma vez que agem movidos pelo sentimento de “ revanche”, sob a compulsão do contexto selvagem, da ausência de leis, de civilização e de cultura. O acervo genético sendo a única bússola a explicar o maior ou menor potencial tanto de violência quanto de bravura que os distingue. Cipriano, por exemplo, um bandido fabricado pelas circunstâncias, mas possuidor de viscerais noções de honra e coragem, como tão bem nos dá mostra Eli Brasiliense, no primeiro capítulo do romance acima mencionado.

Assim, personagens se esboçam como bobinas vivas, em torno das quais se arregimenta, em alternância “ fabular” o encadeamento da ação ( intriga-trama).

E nelas, ou através delas, sente-se o vínculo com o substrato ficcional da região goiana, então abraçando o Tocantins.

Vejam bem que Abílio Batata é aquele mesmo facínora do romance O Tronco de Bernardo Élis, romance que teve, como palco, a região do “Duro”, hoje Dianópolis, em que famílias inteiras foram dizimadas sob sua ordem. E Cipriano, agora jagunço, é o mesmo personagem de Eli Brasiliense em Uma Sombra no Fundo do Rio. Aquele Cipriano que acreditava em justiça, que confiava na autoridade, e que, na invasão de Pedro Afonso, sob o jugo de Abílio Batata, sofreu uma das experiências mais cruéis que pode atingir o ser humano. Daí que, agora, com Moura Lima, já assumido como facínorabareda, no único intento de trucidar o autor de sua maior desgraça Abílio Batata.

No seu coração, e em sua cabeça, gravada em fogo, a cena do assassinato de sua mulher e filhos pelos milicos, sob o comando do maldito Abílio. Sua mulher, gestante de nove meses, teve seu ventre aberto pelos facínoras que jogavam para o alto, sob risadas, seu filho já prontinho para nascer, aparando-o, em seguida, na ponta da espada. Ali, naquele momento, nasceu um novo jagunço, cuja sede de vingança era direcionada aos causadores de sua tormenta, o que não o impedia, esporadicamente, de voltar a ser generoso.

É a reação a comandar a ação, a delinear conceitos. Assim é que a polícia, na boca do povo daquela região, encontra, da parte do velho Januário, no alto de sua experiência por aqueles rincões, a seguinte definição:

“ A polícia nada mais é que jagunços fardados que chegam, botando banca e descendo a mutamba em todo mundo.” P. 120

E, na busca dos culpados, personagens assumem a voz que traduz o alter-ego do autor, cuja linha política fica clara de começo ao fim, em julgamento sumário, independente do contexto de época, sem o qual, hoje, sabe-se impossível julgar o homem: toda a violência, para ele, é devida aos Caiados, cujo governo, para o autor, é, inapelavelmente, ditatorial e arbitrário, como se depreende das vozes que se manifestam a respeito.

 

 

Temos, em Serra dos Pilões, dois grupos de personagens que se contrapõem. O do Capitão Labareda, cujo braço forte é Cipriano e, também, o surpreendente Corta-Cabeça. Todos, imbuídos da missão de captar Abílio Batata e seu grupo, o qual, por sua vez, tem, no jagunço Cacheado, seu lugar-tenente.

É que a temática desse romance tem, por núcleo, a vingança contra os que promoveram a mortandade dos habitantes de Pedro Afonso, a sua destruição, isto em 1914,( marco histórico) sob a batuta do mencionado Abílio Batata, o facínora cruel que, com seu grupo, refugiou-se, depois, na região do Jalapão, para onde aponta a narrativa.

E a trama dessa empreitada, condicionando as ações, caminha em dupla direção : com movimentos de avanço e de recuo. De avanço, ritmo direcional, na decisão do Capitão Labareda, rumo ao seu objetivo de vingança: “ Vamos pra Serra do Jalapão, sepultar Alberto Cacheado” ( p. 226). E completa,em diálogo com o velho Bocório : “ A nossa missão, seu Bocório, é botar, de volta pra Bahia, os cabras de Abílio Batata, que vêm atormentando esta região.

Bocório, coçando o queixo, como se procurasse as palavras, responde ao Capitão:

- Esse socarrão do Cacheado vem há meses perturbando o povo desses pés de serra, Capitão. Os seus sabaceiros é um horror! Só deixam os cascos das fazendas.” P. 197.

 

De recuo, ritmo mnemônico, em jogo de memória, trazendo, por flashback, as lembranças das personagens que viveram intensas experiências do sertão, sobretudo as chocantes cenas da tomada de Pedro Afonso, como o relato do velho Cachoeira sobre as crueldades praticadas por Abílio Batata.(p.92).,

“ E lá fora os cacundeiros de Abílio Batata botavam fogo nas casas, subiam nos telhados e atiravam nas pessoas escondidas dentro dos quartos. Faziam pontaria de morte no povo correndo pelas ruas, e derrubavam na lapada do tiro. Na hora do ataque, muitos, atarentados do juízo, subiram em árvores pra se esconderem, e quando os jagunços descobriram, se divertiram pra valer, atirando nos coitados como se fossem passarinhos. E lá das grimpas derriavam no chão, como jenipapo, numa queda bruta de morte. Quem pôde correr passou o rio do Sono a nado, outros morreram afogados ou foram colhidos pelos tiros dos pingueleiros no barranco.” P. 80

 

Como afirmamos em O Processo Sintagmático na Obra Literária9 , e rastreando Polti ( in Les 36 situations dramatiques), em realidade, a ação adquire espontaneidade, maturidade, quando as personagens influem menos nela do que elas nas personagens.

Assim, podemos depreender, pela conduta das personagens de Moura Lima, ação e clima. E se a ação básica que movimenta a trama do romance se desenrola, como estamos vendo, em torno da tragédia da Vila de Pedro Afonso, em contrapartida, o núcleo fulcral de interesse se prende aos campos contrapontísticos representados pelas personagens já mencionadas: Abílio Batata, seu sequaz Cacheado, seu grupo, versus o capitão Labareda e sua gente de que emerge , como já demonstrado, o vulto de Cipriano- o homem forte, agora bandido pelas circunstâncias, além de jagunços peculiares como Corta-Cabeça, ou Boca-de-Sino. Destes dois, o primeiro, sobretudo, distingue-se como protótipo de um tipo do sertão: ponto-chave a potencializar simbólica e dramaticamente, a filosofia do romance que se entretece de força, em sua dupla estrutura: a física, a da violência, a ocupar, com primazia, a narrativa, e, mais discreta, a interior, a da fé, a do misticismo, e, até, da ternura, manifestações que, a nosso ver, se revelariam mais impactantes se carreadas por recursos estilísticos como o do Discurso Indireto Livre, que, aliás, aparece, ainda que timidamente, quanto à freqüência do emprego, sobretudo em Chão das Carabinas, por exemplo.

 

Corta-Cabeça, bárbaro e místico, é o núcleo centralizador da cona violência, e se destaca como o impulsionador do comportamento dos demais, para o bem e para o mal.

É o responsável por momentos particularmente dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão; o segundo, quando participa dos rituais iniciáticos da cigana— a velha mágica do acampamento—invadido por seu grupo, sob a chefia do Capitão Labareda. ( Ver p. 65).

 

A essas cenas, acrescentaria outras como a que revela a psiquê daqueles chefes: a do abandono do jagunço Beiço-de-Cangalha, um dos homens do grupo do Capitão Labareda, mas que, vítima de ataque epiléptico, foi abandonado, por ordem do capitão, nos ermos dos gerais, em gesto, para nós, os pretenciosamente civilizados, de extrema crueldade, mas, para eles, totalmente natural, evidenciando as prioridades dos valores frente às condições de luta a dirigir aqueles anti-heróis. Este o clima, fruto de mentalidades e de emoções, denunciando o móvel das ações, naqueles “ cafundós”.

 

 

9 Olival, Moema de Castro e Silva. O Processo Sintagmático na Obra Literária. Goiânia: Editora Oriente, 1976,p.175.

 

 

 

Espaço e tempo.

 

 

 

 

O espaço e o tempo se cristalizam num passado-presente contínuo; sem referências precisas, a região do Jalapão torna-se, num processo de operação transfiguradora, metonímica, o imenso palco de uma insidiosa saga épica: sertão dos coronéis, do povo ilhado da civilização, da cultura, imagem em viés da história, a filtrar realidades ainda presentes. Tempo que não conseguiu passar por inteiro. Presentificá-lo é ajudar a varrê-lo, em definitivo, dos tempos futuros. É apontar os estigmas por ele esculpidos na alma do povo e, assim, provocar reações. Aí, talvez, um dos grandes objetivos do autor.

Em nosso estudo sobre a obra de Bernardo Élis (1976) 1 0,evocamos Honoré de Balzac, quando, in A Solteirona, afirmava que as épocas tingem os homens e, também, citamos Raul H. Castagnino, in Tempo e Expressão Literária (1970, p. 36), quando, delineando as diretrizes da verdadeira criação ficcional, fixa-lhe o traço essencial, a saber: um ato de entrega ao antitempo, “ não se tratando simplesmente de negar-se o tempo, mas de submergir-se num tempo ausente em que nada teve princípio ou fim, pois tudo é um eterno recomeçar, um contínuo regresso ao princípio em que as coisas ocorrem simbolicamente nos idos imemoriais.”

Muitas vezes, na falta da indicação precisa do tempo objetivo no acontecer da ação, as personagens podem nos oferecer a oportunidade de acompanhar o desenrolar de seu tempo psicológico e subjetivo, que dão a medida de suas experiências vitais naquele momento, graças a técnicas como monólogo interior, ou, então, Discurso Indireto Livre, recurso, de certa maneira, freqüente em Bernardo Élis ou Graciliano Ramos, por exemplo.. Moura Lima parece preferir revelar, de maneira menos sofisticada, mais explícita, a mente de suas personagens, em diálogos curtos, ainda que dinâmicos, talvez em consonância com o clima de ação impactante que vai caracterizar Serra dos Pilões como uma narrativa forte, que busca retratar, estruturalmente, na sua organização dialógica,o impacto da ação brutal que impera naqueles sertões..

 

10 Olival, Moema de Castro e Silva, O Processo Sintagmático na Obra Literária, p. .

 

 

Reiterando o que já foi bem explicitado no início desse trabalho, quando salientamos o papel fundamental do processo de transcrição da linguagem regional, através da estilização de sua oralidade, gostaríamos, para complementar, de chamar a atenção para o aspecto positivo das referências aos nomes próprios relativos à geografia, flora e fauna da região, familiarizando o leitor com os topônimos regionais, riquezas ambientais, sobressaindo a peculiaridade dos nomes próprios relativos a essas áreas: Jalapão, Rio do Sono, Chapada das Mangabeiras,(p. 181), Ribeirão Espingarda ( p. 184) etc, e o saboroso dos apelidos—( nomes–de-guerra) dos jagunços como: Corta- Cabeça, Militão Caolho,(59), Zé Galhão,( p. 31), Gavião, Zico- Bodoque, Beiço–de-Cangalha (p. 55), Abílio Batata e o próprio capitão Labareda, que, na verdade, se chamava Eleudino Martins,( p. 175)—como numa proteção natural, à época, às suas verdadeiras identidades, que seriam expostas na explicitação dos referidos nomes próprios. A linguagem, como já vimos, em recursos de transposição estilizada da oralidade, assumindo o ritmo da modernidade que a torna instrumento do pensamento, tende para as frases curtas, diretas, entremeadas de modismos, expressões regionais, que justificam, e muito, um glossário final, dando-nos interessante campo de pesquisa, sobretudo na área da semântica, quando encontramos manifestações saborosas do pensamento daquele povo, (algumas, de domínio comum à toda a região interiorana, sem dúvida) numa variação espontânea e significativa de construções diversas, em torno de uma mesma idéia. Por exemplo, numa citação aleatória, para indicar a intenção de sair do local, viajar : “ (...) fez sertão”; “(...) poeirou no mundo”.(p. 79); “ (...) rompeu estirão, vencendo as leguonas (...)” (p. 123); “(...) fincou o pé-na estrada” ( p. 104), etc.

 

Gostaríamos de ressaltar o domínio dos recursos literários, por parte de Moura Lima, o que nos é fornecido, sobretudo, nos trechos descritivos. Alguns, com lances surrealistas, imagens carregadas das tintas regionais, com matizes de humor-negro e poesia, como por exemplo: “ E naquele sertão bruto, marcado pelas noites trevosas e pelos ruídos da tempestade, ao ribombar dos trovões, ouve-se o tropel dos cavalos da jagunçada a caminho do Jalapão. O vento sopra e uma voz espremida gunguna: -É o Capitão Labareda e seus cabras!...” ( p. 92).

Ou, leves, prenhes de imagens saborosas da paisagem tocantinense, para o que concorrem as referências peculiares daquela região, intérpretes da voz mágica daqueles rincões: “O dia vai rompendo com os clarões das barras, pelos cerradões e descampados de agreste do Jalapão. A saracura quebra o pote pras bandas do riacho Mutuca, anunciando a chegada do verão e dos ventos gerais que sopram da serra da Tabatinga e vão varrendo aquele guanhã imenso de campos, chapadões e matas sombrias nas beiras dos rios e grotões profundos.” P. 218

Ou, cenas narrativas pitorescas, folclóricas, como quando, na voz de alguma personagem, discorre sobre as travessuras dos mitos lendários do Tocantins, as do Romãozinho, por exemplo: “ E também Bebecha, um boi-vaca engomador de roupas da vila, não foi poupado. Caiu numa tunda sacudida, de tirar o pixé e o godó do corpo. O homem é-vinha de um arrasta-pé, altas horas da madrugada, à bambalhona, com seus botões-de-couro poído, ao passar rente a um monte de bagaço de cana, levou um safanão. Quando percebeu, olhe o bagaço voando no seu lombo! Êta peia braba! O homem, no corre-corre e o bagaço de cana por riba, arrochando a mutamba! E Romãozinho, na gargalhada.” P. 125

Mostra-se, assim, a linguagem de Moura Lima, rica de “sugerências”, de potencial de flexibilização dinâmica e recriação imagética, fundamentais para um bom escritor, sobretudo regional.

 

 

 

 

 

 

 

LEITURA CRÍTICA DE CHÃO DAS CARABINAS

 

 

Antes de fazermos nossa leitura crítica sobre este romance, convém lembrar, ainda que rapidamente, já que pisamos o terreno do regionalismo em Goiás, que este título: Chão das Carabinas não deixa de remontar, ainda que por afinidades intelectuais, ou por confluências históricas da região relatada, ao título de um romance de Bernardo Élis A Terra e as Carabinas que saiu em folhetins, nos jornais de Goiás, entre 1950/1951, e, só, recentemente, ( 1988) teve publicação em Obra Reunida de Bernardo Élis, iniciativa do governo de Goiás e da José Olympio Editora. Dele Bernardo Élis retirou o primeiro capítulo “Moagem”, que passou a fazer parte do seu premiado livro de contos Caminhos e Descaminhos.

Agora, vejamos a obra de Moura Lima. Este romance Chão das Carabinas- Coronéis, Peões e Boiadas. ( 2002) traz, além da sugestiva capa de Leocádio, biobibliografia do autor, e instigante prefácio de William Palha Dias, intitulado “ Um autêntico regionalista dos campos gerais”.

Em seguida, um esclarecimento: “Chão das Carabinas foi extraído de uma história real, com alma própria, acontecida na antiga Vila do Peixe, no Norte de Goiás ( hoje Tocantins), nos idos de 1936; os fatos históricos foram transportados para o campo ficcional, a partir de processo criminal, depoimentos de testemunhas e de participantes do morticínio”. Vê-se, claramente, sua intenção de declarar a fonte de seu “ saber”, no caso, o registro histórico. Isto se fortalece com o detalhe da pesquisa em processo criminal, depoimentos de testemunhas, etc, aliás, procedimento usual da parte de escritores que levam a sério a sua obra, como o fizeram, por exemplo, Bernardo Élis, em O Tronco ( 1956), já objeto de nossos comentários, ou Miguel Jorge, com Veias e Vinhos (1981), que tem por matéria o crime ocorrido no Bairro Popular, em Goiânia, ( 1957), quando foi chacinada toda uma família, salvando- se, apenas, a pequena Ana, que se tornará a voz narradora iluminada dessa aguda dramatização. Neste romance, se inspirou o cineasta João Batista de Andrade, para seu projeto cinematográfico, já em andamento, como, também, o que já realizou sobre o romance O Tronco, no seu polêmico e consagrado filme homônimo da obra de Bernardo Élis.

 

Bem, voltemos a Chão das Carabinas.

Francisco Miguel, crítico, membro da Academia Piauiense de Letras, em ensaio publicado no jornal da Cidade de Gurupi (TO), ( 28/3/02),afirma: “ Há em Moura Lima, do Chão das Carabinas, mesmo sendo um romance de fundo histórico, o espanto do homem que entra para a civilização por força dos conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo, assim, o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido—o outro— possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunha, mutatis mutandis, em todas as regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente.”

 

TEMÁTICA, TRAMA, PERSONAGENS, AÇÃO

 

O romance tem, por temática, a execução de uma vingança cruel , motivada pela ambição do poder político da cidade de Peixe.

 

A vingança é urdida pela rivalidade entre a facção do que representa a força local, e que encontra apoio no capitão Bentão, (apesar de sua dissimulada neutralidade) e os “arrivistas” chefiados pelo Major Fibrônio Cavalcante, frente à missão “ salvadora” enviada pelo novo governo de Goiás, sob as ordens do secretário Aroroba e que, logo na chegada, é atacada por um jagunço do major Fibrônio..

Vejamos o texto explicativo, da parte da voz narradora: “(...) como vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando. E ia ficando a cada dia mais rica e dominadora.” P. 21

 

É uma história real, mas tem “alma própria”, como adverte o autor, no prólogo. Para o romancista, historiador William Palha, que fez o prefácio, Chão das Carabinas “ focaliza, numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra, em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas Campinas daquele mundão verde do chão tocantinense.”

 

Então, a narrativa se programa a partir dessa proposta, que, se é de denúncia, aqui bem evidente, apresenta, também, natureza de conteúdo social e, até mesmo psicológico, através de perfis humanos delineados com precisão analítica, como o do capitão Bentão, do major Fibrônio, etc.

 

Pensamos que, se Serra dos Pilões abarca uma cosmovisão douticos para o leitor, como os das lendas, em torno das travessuras do Romãozinho, por exemplo, ou cenas de misticismo, a revelar porção bem forte na alma do sertanejo, ou trechos descritivos que aliviam as tensões geradas pelas vinganças , aqui, em Chão das Carabinas, o tônus da violência se afunila, se concentra de tal maneira que cada capítulo torna-se um detonador natural dessa visão, gerando aquela angústia prenunciadora do clima de protesto, dentro, portanto, do que parece ser o propósito do autor.

O romance oferece três filões fundamentais: —o da violência, gerado pelo contexto sócio-político-administrativo da região;—o filão que se esmera em oferecer perfis dos tipos peculiares ao regime de vida local, perfis afeitos às atividades regionais e, finalmente, o da explicitação da postura ideológica do autor que, ou através da voz narradora, ou através de suas personagens, explicita um verdadeiro libelo contra a “ prepotência” do velho governo central do Estado, que, por longos anos, estivera nas mãos dos Caiados e, agora, era ocupado pelos revolucionários.

Vejamos: “ A revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “ República Velha”. A machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, e também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.

A Vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Cavalcante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo” (p.14). Aqui, já se afirma o tom condenatório constante e incisivo da voz narradora ao regime caiadista, tom alheio a consideração sobre o contexto de época, fato, hoje, observado por novos ângulos frente às modernas pesquisas universitárias, conforme já dissemos anteriormente.

Então, em reação “ aos tacões da bota de Totó Caiado ( Totó brabeza)”, o governo da revolução apóia major Fibrônio que deve usurpar o arraigado poderio dos primeiros, de que o Capitão Bentão é um dos asseclas, ainda que bastante dissimulado para tentar a posição de conciliador entre as duas hostes. Quanto a esse item, momento muito significativo, é quando o narrador, sem dúvida, onisciente, na sua condição de analista incisivo ( uma vez que impinge ao leitor o perfil desenhado, ao invés de deixar que ele, leitor, deduza sua opinião como corolário das respectivas ações,) e nos faz flagrar o contraste entre a atitude externa do “ honrado “ capitão Bentão, no momento em que ele dá bons conselhos ao secretário Arorobá, no sentido de largar a animosidade em relação aos Cavalcante Albuquerque, e sua postura interior que deseja o contrário, tornando, pelo contraste, bem explicitado o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço (ou penso), escancarando, (mas descrevendo-as), janelas ocultas da alma humana.

Mas, ao dar voz à personagem Chica do Rosário, recorre, o escritor, ao dinâmico recurso do Discurso Indireto Livre ( uma das poucas ocorrências registradas) permitindo-lhe deixar fluir, ao vivo, os sentimentos e emoções. Recurso, sem dúvida, de enriquecimento estilístico da voz narradora. Eis o trecho: através da voz da personagem : “ Ah! Minha Mãe, verdade seja dita, o capitão Bentão e o major Fibrônio eram do mesmo paneiro, isso era, no duro! O capitão Bentão sempre foi treiteiro, agradava uma moçoila aqui, outra acolá, e ia desonrando-as, para o sofrimento das mães pobres, e, para trás, ia ficando a cambulhada de filhos adotivos. Agora, já o major Fibrônio era mais atrevido, mulherengo por natureza, chegava a desrespeitar mulheres casadas, quando estas davam brechas Mas que tem razão, minha Mãe, é a costureira Maricota, que sempre diz: —Troco o capitão Bentão pelo major Fibrônio e não peço um tostão de volta, são os dois da mesma laia!” P. 86

Chica do Rosário, aliás, é personagem elevada à condição de um dos canais preferidos pelo autor para a manifestação da voz de protesto contra o status quo vigente.Vejamos mais um de seus monólogos-depoimento: “ Mas a verdade, minha Mãe, tem de ser dita, porque aqui, na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida, vai-se tornando verdade na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo diante da venta. Ainda mais que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam, fogosos,no lombo cabeludo da mentira. E arremata: Quem não sabe, minha mãe do céu, que o motivo da matança foi só um: a tomada do poder político da Vila.” P. 86

 

Também se mostra, a voz narradora, em seu perfil de veículo ideológico-social, preocupada em expressar traços que demonstrem valores positivos desse ser relegado à sua própria sorte: o homem daqueles rincões. Tal como Eli Brasiliense carrega nas tintas que retratam, como flores raras, num campo de tantas truculências, noções de honra e coragem de algumas de suas personagens, como Marcelino do romance Rio Turuna,—quando, na sua longa tocaia, rememora fatos de sua vida, evidenciando seu perfil de homem destemido e fiel aos seus princípios—ou Bernardo Élis, ao pincelar, com maestria, o esforço de Piano, personagem do conto “A Enxada” (Veranico de Janeiro), quando busca traduzir seu desesperado esforçoV

MOURA LIMA
Enviado por MOURA LIMA em 07/06/2007
Reeditado em 29/11/2021
Código do texto: T517463
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