REGIONAL E ESTILO
REGIONAL E ESTILO
ASSIS BRASIL*
O romance de Moura Lima, Serra dos Pilões (jagunços e tropeiros)
já foi recepcionado por importantes nomes de nossa literatura, como Clóvis Moura, Eli Brasiliense, William Palha Dias, Stella Leonardos, e todos têm admirado a excelência desenvolta do narrador ao construir um romance ao nível dos melhores da série literária brasileira. O romance é classificado de regionalista porque se convencionou, entre nós, que vocabulário, expressões, modismos, temáticas dão tal feição à obra. Para os especialistas, no entanto, Regionalismo nem é escola, nem caracterizaria perigosamente um gênero de nossa literatura, ou um desvão algo estanque, pois a maioria dos nossos ficcionistas é urbana e se define na área subjetiva, intimista, existencialista.
O caso é que se trata de uma única literatura brasileira - não estritamente regionalista - com experiências várias, sintáticas e semânticas, ao nível da linguagem literária. É claro que alguns escritores dão características locais, regionais, com um vocabulário específico, com personagens interioranos do nosso rico mundo caboclo, temas do sáfaro lendário das nossas tragédias. O que devemos observar, no entanto, em qualquer romance, é como o escritor (criador) trabalha a sua linguagem, rompendo mais ou menos com a norma. Ele trabalha sobre a norma da língua - a norma cotidiana e comum - e, como artista, recria a sua própria linguagem e seu estilo. É claro que determinadas regiões situadas num romance precisam, necessariamente, de vocábulos e expressões quetossoma caracterizar o regional e o clima dramático que se quer expor.
O que se deve observar, também, é que a oralidade - pura e seca como a ouvimos - não é a linguagem escrita, não é a obra em si mesma. A oralidade simplesmente "transcrita" "de ouvido" - como diria Mário de Andrade - ao nível da narrativa, soa algo falso, incongruente, daí a estreiteza de concepção de muitos romancistas tidos como regionalistas. Então o quê? A transcrição da oralidade para a escrita - o lugar onde a linguagem literária se realiza - precisa de uma estilização, ou seja, de uma adequação entre o mundo revelado e a literalidade, o que marca toda obra criativa. Sim, o escritor pode usar vocábulos, expressões regionais, nomes locais, certos termos antigramaticais até, para que tais recursos sintáticos conotem o clima regional, sem que o escritor precise arremedar, falsamente, a linguagem interiorana.
Temos dois exemplos radicais de estilização da oralidade, tratando-se de romancistas ditos regionais: o baiano Adonias Filho e o mineiro João Guimarães Rosa. Devido à sua formação clássica - o mesmo caso de Graciliano Ramos - o primeiro pouco estiliza a oralidade, preferindo ficar ao nível da norma da língua, embora com indicações léxicas conotativas. E não foi à toa que Adonias Filho repudiou a experiência de Guimarães Rosa, pois viu na sua linguagem um exagero estilístico. É que o escritor mineiro faz da sua linguagem literária a própria estilização (por vezes erudita) dos regionalismos, dos modismos, das tradições lingüísticas, e isso para fugir do cacoete generalizado de arremedar a fala interiorana.
É nesse último caso, afinal, que devemos situar Moura Lima. Não tão sóbrio quanto Adonias Filho, nem algo exagerado como Guimarães Rosa, a estilização do romancista serve para manter um nível, um diapasão da linguagem interiorana - ao nível literário - sem a recorrência acentuada aos "erros" e impropriedade da linguagem oral. Como se trata, em seu romance, de personagens broncos, analfabetos, vivendo a própria existência de sua linguagem - retrato psicológico e comportamental - o escritor estiliza a sua linguagem - diálogos e narrativa ao nível de uma norma literária que é ao mesmo tempo a sua estilização e concepção do seu regional romanceado. Os diálogos de muitos personagens, por exemplo, não trazem aquele exagero - de muitos romancistas - de tentar, "de ouvido", imitar a fala cabocla, o que seria uma contrafação literária. Daí que Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido, no contexto da Literatura brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte.
* Assis Brasil, laureado escritor brasileiro, autor de cem obras publicadas, crítico literário dos principais jornais do país: O Globo, O Estado de São Paulo, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, revista O Cruzeiro. Profº de Técnicas Jornalísticas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro
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