História das Pistas
O trabalho do historiador, se faz através de dados encontrados de forma fragmentada, a ponto de comprometer uma análise que não tenha o mínimo de critério. Uma análise perfeita, como muitos já ousaram sonhar, apenas afasta, consideravelmente, o pesquisador de seu objeto, fazendo com que acumule uma gama de especulações que tem como finalidade, atender aos seus anseios íntimos e egocêntricos. Através do anacronismo, conseguimos vislumbrar uma barreira intransponível, que é o tempo, com sua trajetória transformadora, não permitindo julgar ontem com olhos de hoje e consequentemente, desejar saber sobre o amanhã apenas baseado no hoje e no que acredita ter sido o ontem.
A pesquisa é algo fundamental, pois ela serve de norte para que crie uma espécie de trilha, mas jamais imaginando que seria o caminho. As diversas ramificações possibilitam ao sujeito adentrar no domínio das fontes, mas nunca se esquecendo que nunca contará, hoje, no século 21, a história da Grécia de 300 a.C., ainda mais sendo brasileiro e distante daquela realidade física grega. Ainda que se desloque ao local, existe toda uma bagagem cultural que lhe escape, promovendo a necessidade de preservar ao máximo os valores contidos naquele espaço, procurando respeitar os valores de um grupo. As datas dizem-nos a respeito do prazo de validade, podendo variar um fenômeno com prazo de curta, média ou longa duração, dependendo dos ingredientes que venham a conservá-lo.
No trabalho de um historiador, ao contrário de antigos historiógrafos, deve existir um critério de análise, primeiramente em busca de algo que corporifique um método, fazendo com que sua escolha ideológica prive-o de perspectivas mais vastas. Na impossibilidade de abraçar tudo, faz sua escolha e deve estar consciente de quão reduzida é essa postura, limitando-se a tentar dar conta de uma análise pontual e que tenha abertura para que outras análises venham agregar valores a seu trabalho. A história deixa suas pistas, embora estas não permitam que possamos desvendar uma investigação por completo. Assim como um crime inexplicável, na historiografia o perito jamais irá resolver o caso. Mas isso não o impede de fazer seu trabalho e também estar diante de pequenas resoluções. Não se encontra um assassino, mas quem sabe é possível delinear um modus operandi. Impossível saber o nome de um suspeito, mas descobrimos pessoas envolvidas, conseguimos delimitar uma área de atuação etc.
Toda história é marginal, a medida que nos vemos em uma outra realidade. A tentativa de desvendar um enredo longínquo, apenas aumenta o grau de distanciamento. Mas assim como no exemplo do crime, o contato com as provas fazem com que o historiador possa dialogar com sua própria realidade. Um dos equívocos cometidos por certos pesquisadores é justamente procurar um crime a partir de suas fontes, ao invés de a partir de um crime observar suas provas. Antes, a partir da guerra de Tróia, buscar diversos fatores que venham corroborar o evento e agregar valores a esta trama do que reunir toda uma gama de informações para deduzir algo próximo a esse desfecho. Sair do óbvio para possibilidades não tão óbvias seria algo mais producente do que partir do não óbvio para algo dedutivo, ou seja, ainda não óbvio.
Um evento histórico aparece como uma pessoa. Pensemos na Ana. Quantas Anas existem. Mas nenhuma poderia ser dita idêntica a outra, ainda que fossem criadas através de clonagem ou algo parecido, já que o fato de estarem ocupando lugares distintos e mesmo se considerarmos temporalidades distintas na criação, isso já afetaria a ideia de identidade. As Anas da contemporaneidade já são distintas, imaginem se compararmos com as Anas de épocas anteriores. Um historiador deve imaginar que sua narrativa terá esse caráter pessoal, pela singularidade que sua intromissão favorece. Nunca podemos dizer que conhecemos plenamente alguém, mas podemos ter pistas, sobre se tais nas são uma região, que fazem parte de uma denominação de gênero específica, deixando no final da pesquisa, uma ideia ao redor de nossa personagem, uma aura ou conjunto de símbolos que não dão conta do que ela é, mas ao mesmo tempo, permite com que outros venham a acessar uma ideia a respeito dela, enquanto tipo ou típico.
Justamente essa ligação mais superficial que paira sobre a pesquisa, criando esse vínculo de algo notório, que sirva de aplicabilidade em uma ciência que lida com o inaplicável, fazendo com que as brechas deixadas pelo sujeito, através de símbolos, venham ser articuladas em nome de novos hiatos, que irão compor a história humana, como a possibilidade do impossível, mesclando significados e promovendo essa desintegração do eu, que continuará ali, nos bastidores, transbordando do historiador, que se vê escapar em usa própria idiossincrasia, contagiado por essa estética que o faz literar sobre a historicidade, a ponto de criar obras de arte magníficas, que irão impressionar e sensibilizar gerações, através de uma prosa estruturalista de pretensões utilitaristas. O que me faz propor o segundo passo dessa estética da história, mergulhando sim, nesse apolíneo que fabula a respeito das impressões obtidas e ir ainda mais fundo, sentindo o impacto do dionisíaco na realidade pulsante que grita de forma interrogativa perante o texto. O historiador não é um copista. Também não o denominaria como cientista das ciências sociais. Talvez, o apropriado esteja na denominação de artista da historiografia.