Esquartejador de Textos
A interpretação de um texto, exige um minucioso trabalho que se assemelha a um esquartejamento. Ainda que pareça exagero, a decomposição corporal dos caracteres e a relação que se tem com as partes, faz da hermenêutica uma arte assassina. Invade deflorando partes já violadas, mas com novas possibilidades de violência.
Primeiro é preciso olhar o todo, para posteriormente conseguir dividir da forma que lhe convier. Nem todos possuem a destreza de um açougueiro, o que faz com que alguns esquartejamentos sejam mais grosseiros. O uso que se faz dos fragmentos é algo simbólico, onde cria-se um vínculo entre a coisa e aquele que deu sentido a fração. O todo é suprimido em nome de distinções que atendam ao desejo de dilacerar do executor.
O fato de saber que a linguagem manuseada já foi dilacerada por outros anteriormente, não diminui a vontade de esquartejar. É um ciclo de novas disposições, criando possibilidades de paisagens, feito um eterno insatisfeito Dr. Frankenstein. Brinca-se o tempo todo com essa necrofilia. O objetivo é dar novas formas, na busca incessante pela nova criação. Embora o texto faça questão de continuar moribundo, alimentando esse mistério da morte que empolga o vivo, que é um futuro morto.
Como passo seguinte é identificar a anatomia. Alguns, menos peritos, seguem quase um instinto, outros buscam a prática como ferramenta para identificação dos cortes. Tal manuseio se torna essencial para uma boa percepção do fragmento, a ponto de poder servir-se do mesmo com ou sem muitas arestas, para trabalhar a peça, com cortes mais limitados, abrindo camadas que irão revelar as estruturas daquela porção. Alguns chegam a reduzir a um bife, criando uma relação degustativa que beira a intimidade, o que promove certos apegos a determinadas teorias que são o único alimento que resta aos esquartejador.
Devemos estar atentos a simbologia, sabendo que nunca a fome será saciada. Abocanhar uma porção pode matar de indigestão, já que não conseguirá digerir por completa a porção. O texto deve permanecer morto e vivo, já que a relação de vida e morte se faz necessária entre temporalidades. O homem, diante desse inanimado texto, articula suas partes e com isso dá animação, criando possibilidades de caminhos, resgatando memórias que os escritos deixam escapar e antevendo o futuro, que é morte e por isso precisa da urgência do movimento presente. O esquartejador é mais do que um assassino que se serve da morte. Ele é um artista da vida.