Realidades

Quando estamos diante de um acontecimento, temos aquela noção de interação entre diversos fatores que especulamos como causas. Cada vez mais estamos conscientes de que múltiplas influências habitam cada gesto. A própria Física trabalha explorando uma noção que já não tem como referência o único, como é o caso do antigo conceito de universo. Diante dessa extensa gama de informações, não podemos deixar de pensar também em realidades, em vez de nos situarmos apenas em um dito real.

Pensando sobre a obra “O Ser e o Nada”, de Jean-Paul Sartre, em especial na parte dedicada ao conceito “Outro”, surge a possibilidade da diversidade de realidades. Imaginemos uma pessoa que está próxima a uma faixa de pedestre, aguardando o semáforo ficar verde, enquanto um automóvel se aproxima lentamente. A perspectiva do olhar do sujeito sobre essa realidade, poderia se deter apenas no semáforo, por exemplo. Ainda que consiga expandir e perceber uma gama de fatores além, no caso a faixa, o carro e sua velocidade, como a própria percepção de si, ou seja, a pessoa próxima de algo, muito fugiu a seu campo de visão. A quantidade imensa daquilo que a visão não conseguiu captar ou que não foi possível relatar. Podemos citar a circulação de outras pessoas, quem sabe árvores, construções, outros veículos em uma distância maior, a cor do automóvel visto, além da cor vista antes da verde aguardada. Tudo seria faria parte dessa percepção múltipla.

Num primeiro momento, podemos dizer que estamos diante não apenas do percebido, mas daquilo que faz parte do momento e não conseguimos captar, ou mesmo que seja possível a captação, não seria algo de uma relevância que seria possível guardar, talvez a memória guarde a informação em um setor mais profundo, com manifestações em sonhos posteriormente, como alguns psicanalistas já defenderam, embora acredite que o termo “inconsciente” seja adequado. Poderíamos qualificar os dois estados de mundo aberto, como aquilo que conseguimos captar e imediato, e mundo fechado, o que virá a ser revelado, de acordo com diversos mecanismos que servirão de portas ou caminhos para acessar o que foi interiorizado.

Surge então a questão do “Outro”. Ao nos depararmos com o diferente, além da evidência de si, ou seja, do eu que surge a partir da relação com o que está além de mim, estaremos diante dessa mesma manifestação além da racionalização recíproca, ou seja, presente no que não é humano também. Olhamos para o mundo e ele olha para a gente. Voltando ao exemplo do semáforo, imaginando na rua só existisse o sujeito próximo a faixa. Ao olhar para o semáforo, para o automóvel e para a faixa, além de ser perceber, também passa a ser percebido pelos mesmos. A faixa, o automóvel, o semáforo, podem não ter essa consciência do sujeito que se depara com eles, mas são inegavelmente influenciados por ele, ainda que nos detenhamos na questão apenas do olhar. Passam a existir à medida que uma existência determina um valor que parte de si, como bem expôs José Saramago, ou seja, eu por existir, ao entrar em contato com realidades, faço com que elas passem a existir a partir da minha percepção. Só existe o que faz parte da minha realidade, já que meu mundo é criado somente a partir do que percebo. Extra-terrestre seriam os seres que vivem fora do planeta e extra-mundanos é cada coisa que não pertence a seu mundo. Como exemplo, podemos mencionar uma tribo desconhecida pela “civilização contemporânea”, que será extra-mundana a nós, já que não teremos conhecimento deles e eles de nós.

O fenômeno extra-mundano já demonstra algo complexo, mas não podemos esquecer que a influência que exercemos foge a nosso controle. Não sabemos o grau de influência que exercemos sobre tudo aquilo que faz parte de nossa existência. Muitas vezes nem conseguimos dar conta dos efeitos que elas causam em nós. Um movimento, uma sensação, um pensamento, podem estar conectados com uma gama de informações que serão transmitidas aqueles que recebem a nossa influência. Imaginando um exemplo psicanalítico, muitas vezes temos certos distúrbios que foram influenciados por fatores, físicos, sociais, geográficos etc, deixando alguma impressão que causa um efeito que é aparentemente desagradável, já que procuramos nos tratar em relação a ele. Uma palavra de ofensa, um gesto inesperado, uma roupa que veste, pode afetar uma pessoa diante de você, causando na vida dela algo que jamais poderia imaginar e vice-versa, o que também acontece em não-pessoas, como objetos, outros animais etc.

Ainda existem as realidades que nos escapam. Voltando ao sujeito no semáforo. Uma outra pessoa, um pouco distante o viu próximo a faixa, bem como árvores balançavam sua folhagem naquele mesmo instante. Esse outro que percebe o sujeito, passa a tê-lo em sua realidade, apesar de não fazer parte do real daquele. Influenciamos também o que nem mesmo existe para nós, já que passa despercebido a nossa captação, não fazendo entretanto que escapemos a captação alheia. Como um jogo de esconde-esconde ou se pensarmos naquela sensação de vigilância desconcertante, onde o fato de não observarmos não assegure a nossa inobservância. O que faz pensar adiante, que aquilo que faz parte do extra-mundano também possa, de alguma maneira, agir sobre cada um de nós, a medida que uma série de fatores ocultos a simples observação podem levar e trazer informações sobre esses que “in loco” não se conhecem. Algo parecido com a impressão que que gerou o filme “Efeito Borboleta”. Estar no mundo é muito mais do que viver nele, consiste em interagir, sofrendo influências e causando influências, gerando uma série de conexões e desconexões, geradas pelo pouco sentido e muito afetado.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 23/06/2014
Código do texto: T4855514
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