Doméstica
Senhora do lar, por estar relegado a um privado que sofre mesmo a privação constante da labuta diária. Sua escolha é não ter escolhas. A criação de administrar crias, com discursos sobre uma natureza materna e tudo que implica em uma obrigação para com a família, sob as rédeas do mando de um marido. É antes de tudo mãe e isso a faz se colocar distante das benesses. Em casa precisa dominar as tarefas da casa, desde as roupas, lavadas, passadas e engomadas, até a preparação do alimento, que vai desde a escolha, até os temperos e o fator de tempo para determinar o melhor ponto para degustação. Não existem horas de descanso, já que todo momento exige uma tarefa. Deve estar atentas aos anseios do macho dominante, que busca trazer a renda e com isso sujeitar os dependentes. O homem que se solidifica pelo capital, que o valida como mais importante, já que fornece os meios para que se consiga comprar a sobrevivência. São os que falam com voz de trovão e desejam ecoar sua soberania além do privado. Ali ele desconta suas frustrações. No público onde é serviente, pode através do privado fazer com que o sirvam. Os meninos serão trienados para assumirem essa mesma postura e as meninas herdarão o fardo, o que causou por muito tempo um desejo de não vangloriar o nascimento feminino.
A educação dos filhos é de responsabilidade da mulher, embora o pai exalte a conduta dos filhos e seja apontado como grande incentivador. Mas diante de uma conduta inapropriada, a mulher recebe as recriminações, já que ela deveria estar atenta a estes desvios. A inspeção marital e de vizinhos, parentes etc, demonstram uma supervisão constante. Uma fala desviada, uma roupa mal passada, uma comida mal cozida. Fatores que levam uma mulher a degradação diante da opinião pública e aos olhos inquisidores do marido. As esposas mais desejadas são as de fala e postura mansa, que serão dóceis e moldadas conforme do desejo daquele que se apropria dela e de sua força de trabalho. Quanto mais jovem, com mais disposição para as tarefas e domésticas e ainda dar conta embaixo dos lençóis, saciando o desejo de virilidade do macho. Substituem a figura materna nos mínimos detalhes de cuidados com aquele eterno filho, que deve ter seus caprichos atendidos. Mas a filha, jamais será eterna, envelhecida precocemente, desde a associação com a matriarca, até sobrecarga e a falta de tempo para conservar suas práticas de preservação da estética.
Estipula-se o que é para homem e para mulher, sendo que o feminino parece estar sujeito a funções com menos valor, apesar de exigirem mais. Por mais que façam, estarão sempre com o fardo daquela traição associada ao pecado original, como descendentes de Eva. Se procuram se emancipar das caricaturas, vem a simbologia demoníaca, como uma Lilith que foge de sua missão, tornando-se uma maldição, aquele que renega a cria, a mãe que ao contrário de ser responsável pela vida, faz-se detentora da morte e das tragédias relacionadas a negação pela sua “real natureza”. Como diz o ditado, “atrás de um grande homem existe uma grande mulher”. A mulher acompanha e destaca o homem, jamais o supera. A casa é a referência do sucesso fora dela. As visitas devem se impressionar quando vão adentrar o domicílio, reflexo da prosperidade pública. A doméstica depende e por isso não pode se dar ao luxo de ir contra os valores. Não sobreviverá sem a renda do marido, tanto por ter passado a vida sem exercer um ofício reconhecido dentro de leis trabalhistas, como por ter sua imagem deturpada ao ser considerada separada, sem marido. Já que a culpa da separação também recai sobre ela, que não soube “segurar o marido” ou algo do tipo, como a possível responsável por uma traição, já que sua natureza é assim.
As famílias são moldadas dentro dessa moralidade machista, criando uma subserviência de gênero. As crianças crescem acreditando nessas determinações, estando relegados a assumirem os papéis que lhes foram atribuídos. Mulheres são espancadas, muitas chegam a ser mortas pelo direito do macho de se desfazer dela, enquanto coisa, objeto de uso. A luta pela emancipação da mulher é também a busca por uma outra mentalidade de homem, já que a realidade de macho, cada vez mais, está relegada a um sentimento de desaprovação, que cresce, fazendo com que novas percepções venham ocupar essa esfera de poder, avançando no cenário político, para que o Direito compreenda os indivíduos em sua magistratura, para que a força de um grupo não possa fazer sucumbir os direitos de um cidadão(ã), ainda que se utilize a desculpa da democracia para favorecer as alianças espúrias. Antes de sermos homens ou mulheres, negros ou brancos, conservadores ou republicanos, somos sociedade e o termo “societas” se refere a uma comunhão, o que nos aproxima das comunas, as antigas comunidades, o que é comum, do interesse de todos. Precisamos entender o outro até onde nossa própria compreensão permite, deixando que o além disso se torne de caráter individual e indissolúvel, servindo de fortalecimento das potencialidades, criando a necessidade da comunhão entre diferentes para uma sobrevivência igualitária.