A ideia de Deus

Deus se tornou uma ideia ultrapassada. Ainda existe um apelo a este conceito, como se fosse a tentativa desesperada de resgatar algo em declínio. Tal fato vem sido confirmado ao longo da história humana, com o cristianismo iniciando o processo, quando materializa, humaniza e mata a figura divina, estampada no símbolo de Jesus. Nietzsche apenas tem a coragem de expor a evidência. Os iluministas já buscavam algo além, o que muitas vezes criava um certo paradoxo entre aquilo que defendiam e sua fé. As mentalidades foram durante séculos, digerindo a ideia, até o ápice das tecnologias e a Ciência servindo como fonte real para suprir necessidades e angústias. Consultórios médicos estão lotados de pessoas em busca de seus milagres, com médicos prontos a receitar penitências. Fenômeno parecido que Foucault observou nos divãs que substituem o confessionário.

Diante da evidência de um deus morto, temos apenas o luto, o velório, que ainda se prolonga, sobre a lápide ainda em suspenso. As gerações procuram manifestar esse desejo, transmitindo os ritos, por mais que não faça sentido aos seus filhos. O sofrimento ainda serve como grande estimulador da crença, já que o desespero busca qualquer fonte de alívio, mesmo que o efeito seja resultado do chamado placebo. Passa-se a falar de deus, como se fala muitas vezes de amor, como algo mecânico e que não faz sentido, por não sentirem. Seria um gesto próximo de um obrigado, por exemplo, quando respondemos mais por uma moral que cotidiana que educa, do que por crer de fato nesse sentimento. Quantos habitam igrejas em busca de um propósito que passam a vida sem encontrar. Não é privilégio da religião a falta de propósito. A novidade, é que a religião deixa de ser um propósito e se alia a falta de sentido de outros segmentos.

Muitos passam a idolatrar mais a ideia de um deus humano, o Cristo, em nome da busca por essa proximidade com o que é terreno e não divino. Não se busca mais ir até o divino, mas trazer a divindade até nós. O processo doloroso esmagou aquela plêiade de divindades de outrora, nos referindo especificamente a chamada cultura ocidental. Tudo reduzido a um ser único, o que facilitou o assassinato. Uma vez morto, resta ainda o fardo a tragédia do desamparo, como vemos em muitos thrillers famosos, onde questionam o vingador do que ele vai fazer após matar a única coisa que o motiva, que seria o desafeto, aquele que lhe causou algum trauma. Da mesma maneira, a humanidade se vê sem deus, onde possa expiar suas angústias, restando apenas a sua própria responsabilidade e esse vazio existencial do mundo, que não responde as expectativas alegóricas da imaginação.

Desamparado diante da miséria construída, o homem mergulha na sociedade contemporânea, que é a da angústia. Reforça a ideia de culpa, por ter feito sucumbir o grande alicerce de suas mentiras. As igrejas, de braços abertos, ou melhor dizendo, portas e sacos de dízimos, estão prontas a receber esses filhos ingratos, os assassinos covardes e cheios de culpa, que tentam, no ápice do desespero, buscar um consolo para sua execução. A fé, mais uma vez, promove a ponte entre o vazio e a imaginação, consolando de forma efêmera os atormentados, que tem necessidade constante de absolvição, o que favorece o aumento de investimentos. Ao mesmo tempo, um mundo onde Deus não pode, como bem exemplificou Dostoiévski, tudo pode. Busca-se uma nova ética, que antes de ser alcançada, cria espaço para figuras totalitárias, que tentam preencher o lugar de Deus ou pelo menos, uma de suas funções. A cura divina passou a vir do receituário, como as sacristias disputam espaço com as enfermarias, os pastores e padres, trocados por procedimentos médicos, ainda que alguns tentem unir e agradeçam em nome de Deus ao médico ateu que está furioso por terem descontado um valor do seu ordenado.

A ideia de Deus é o que ainda resiste, embora a cada dia se torne mais adulterada, a ponto de muitas vezes o discurso não mais fazer sentido, já que a nova lógica parece distante. Ainda se observa pessoas proferindo máximas e algumas vezes buscando atitudes de épocas remotas, como as medievais, por exemplo, com as devidas proporções que o anacronismo permite. O fato é que hoje temos uma igreja que busca se adequar às novas tendências, ao contrário de outrora. A Ciência busca, cada vez mais, assumir o papel dos mitos com a comprovação de fatos, na incessante busca pelo poder da razão. Adequar o mundo a mentira da razão, indo além, abarcando o universo. O desejo das causas, com a exaltada terceira lei de Newton, parece ainda resistir, de forma contundente no pensamento humano, que desamparado pela causa inventada divina, já putrefata, busca novos projetos que o façam suportar o vazio existencial. A morte da ideia de homem, ainda esta por vir, como bem expôs Nietzsche. A pergunta é, o que irá substituir e se irá ocorrer substituto, já que como observa Baudrillard, temos ficado mais aquém do que além do homem.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 17/06/2014
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