Flash

A realidade de um flash está muito além do que aquilo que entendemos por real. Na verdade, ele representa a instantaneidade de uma ação de exclusão total entre aqueles que se confrontam. Basta ligar a câmera e lá se posicionam os alvos. O disparo de um clique na máquina, congela e objetifica em outro plano os ali presentes. A medida que o dedo continua a fotografar, os instantes se sucedem e o passado é a todo momento criado e recriado, com o futuro também sendo carregado por esse mecanismo presente, que cria presentes fossilizados. Não somos mais o que a imagem represente e nem aquilo que havíamos sido antes desse captar. Estamos lançados nesse limbo e sem apelação que possa nos salvar.

O flash seria esse espectro que lança os dados que se colidem e formam um número estático. O dado é um e o jogador o outro, mas o número, aparece como um códice maligno, explodindo na mesa e matando os opositores. Os dados anulam essa disputa no momento em que une os confrontantes, formando uma espécie de aniquilação, um momento-colisão, como se fosse uma matéria e uma anti-matéria, que irão se recriar em talvez alguma outra síntese. A morte está ali, como o gato de Schrödinger, assim como a vida. Ou será que nem morte e nem vida? O momento exato entre o toque do pé no solo e o toque do solo no pé, poderia perfeitamente não ser nem o pé que toca o solo e nem a sola do pé que é tocada pelo solo. A fotografia registra esse vazio, como uma espécie de dobra física, feito uma estrela morta, um buraco negro, que faz uma conversão que aniquila a ponto de criar uma curva.

Não sou eu que aperto o gatilho do mecanismo e nem aquilo que determino como sendo um objetivo por ter sido objetivado. O hiato esta ali. Podemos reconhecer por fazer parte de uma espécie de Déjà Vu existencial, onde a quebra demonstra a fissura no plano especial e esmaga toda a massa conflitiva, imaginando uma natureza mais maleável e com rupturas em quantidades indetermináveis. A variabilidade trará essa noção de falta, que preencherá o pequeno ponto abissal que faz parte de cada um de nós. Nietzsche expôs sobre o abismo nos olhar de volta quando olhamos para ele. Esse reconhecimento faz parte de cada de um nós, seres abissais. Criaturas perdidas, por confluírem em uma espécie de DNA que admite perdas. Qualquer sentido pode ser admitido diante da falta de sentido, mas a falta de sentido em si, jamais sequer poderá ser cogitada. O paradigma da chamada “coisa em si”, que se assim fosse, não teríamos nem sequer uma noção especulativa sobre a sua existência.

Pela aceleração no processo construtivo, nos deparamos com a violência da desconstrução, que vai retirando cada degrau que acreditamos ter erguido ou seguido. Nesse nada operante que é possível ocorrer a transformação de um mesmo, que estaria sujeito a essa lacuna, que também não se faz totalmente vazia, já que precisa agir contra aquilo que a confronta. Antes de estarmos vivos ou mortos, fazemos parte desse nada, que é a grande completude do que não pede complemento. Uma assimetria que causa uma constante repugnância, fazendo com que esferas, ainda menos imagináveis, possam ocorrer. Contrariando a máxima de Heráclito, em que tudo mudo exceto a mudança, teríamos uma mudança que também cede ao movimento, já que precisa sempre se reorganizar ou desorganizar, conforme as ordens combatentes.

Um dos grandes flashes que vislumbramos são as nossas estrelas mortas, que irradiam sua energia e promovem o espetáculo que apreciamos a olho nu diante do céu noturno. Chegam apenas um dos instantâneos dessa sequência fotográfica que se espalha sobre e sob nossas cabeças. Aquele olhar perdido na pessoa já morta, que conseguimos verificar na foto, não retratam os olhos da morte, nem mesmo a visão da vida, apenas o vazio enxergado. Enxergamos o vazio na fotografia que acabamos de tirar de nós, como nos olhos sem brilho do morto e naquele sentimento que surge inesperado e toma conta, chamado depressão, onde nada mais faz sentido, já que o sem sentido é pressentido. E o grande pesadelo está na resolução, já que tanto a desejemos. E quando ela vem, podemos nos deparar com a frase de Renato Russo, “o maior segredo é não haver mistério algum”.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 26/05/2014
Código do texto: T4821302
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