O Ponteiro
O ponteiro perverso, aponta cada momento. Se articula em três braços, procurando castigar com o tempo, através da sua malícia chamada revelação. Desnudando as naturezas que contemplam seu movimento fúnebre, fazendo-se de foice, a ponto de marcar o encerramento de existências. Roda para enganar, com seu percurso de eterno retorno, indo e vindo sem parar, esvaindo os que se detêm em contemplar. O primeiro dos braços é mais vagaroso, com uma carga mais pesada, demonstrando suas horas horrendas, brutais. Aponta com severidade, para que não ocorram dúvidas acerca de sua prepotência. Obriga os outros a seguirem seu rastro, fazendo dos expectadores, meros fantoches, ligados a números, que não passam de uma cabala que contagia. Em seguida, um ponteiro menos grosso e um pouco mais leve, adestrando os minutos, criando faíscas que podemos detectar em pequenos traços, que ficam impressos e quando tocados, revigoram-se como um relâmpago diminuto. E os segundos, com rapidez, procuram dar conta dessas primeiras esferas, quase passando despercebido, de haste mais fina, como um limpa brisas que tende a se desesperar.
Já sinto a fúria do tic tac. Cada vez mais forte. Cravando números e dando goles com suas lâminas de fúria. O tempo é contado, cortado, esquartejado. As partes são lançadas em separado, para que possam servir como referência, a cada passagem do algoz incansável. A máquina que segue o ritmo do sedentarismo, fazendo com que as coisas tenham aquele estado permanente, a ponto de perder as identidades em nome de apenas uma forma. O círculo demonstra o infinito que é prisioneiro, como um carma que move em uma direção bem delimitada. São vigas móveis, que estruturam uma rotina, a ponto de enlouquecer, feito um cuco. O pássaro grita e tenta se libertar naquele instante que lhe foi destinado. Mas as engrenagens irão conduzi-lo para o cativeiro. Sua tragédia é a falsa liberdade, que é dada apenas como adereço para fortalecer ainda mais as amarras. Amarrados todos em molas que faz com que possamos nos mover sem sair do lugar.
Os passos dados tentam simular os dois primeiros ponteiros, como se fossemos uma espécie de compasso. Mas estamos longe daquela associação maçônica. Estamos mais próximos das voltas e mais voltas que o grafite posicionado possa dar. E um dia. Quando o grafite acabar, seremos substituídos por outros, já que a base de ferro crava em nossa carne sua supremacia e nos guia nos movimentos circulares, como peões, que volteiam, volteiam e continuam a se posicionar, naquele mesmo lugar que se faz centro. E o trim das campainhas, como as sirenes de campos de concentração, causam aquele estremecimento, a ponto de tremores percorrerem nossa mente e fazer de nós, engrenagens que vibram a cada tic tac do ponteiro. Convulsivamente curvados, assumindo forma dentada. Subimos e descemos. Acompanhados por um frenesi bem regulado, já que a coroa nos domina e determina. Somos peça de uma peça. O óleo é o gozo que faz suportar. Tic tac. Isso tem que parar. Mas não para de badalar. Um pêndulo. Vai. Mais volta. Já que a volta é o grande motivo. Girar. Nada mais que isso. Estamos confusos. Por que estamos em uso.