Eclipse

Quando as pálpebras caem sobre os olhos, eis o eclipse. Diferente de todos aqueles mencionados. Ou do sol, aquele astro radiante, que vez ou outra, torna o dia noite e faz com que os mais otimistas, acreditem em algo nefasto se aproximando. Talvez isso seja uma herança de nossos incultos antepassados. Também existe aquele cobrir que ocorre de noite, quando a lua se esconde, e ficamos sem aquele farol costumeiro a pernoitar conosco. Mas existem casos em que a lua some durante o dia mesmo. O sol fazer das suas à noite, é coisa que ainda não existe registro, a não ser que se chame noite o horário e não se leve em consideração a escuridão certeira. O fato é que, o simples fechar dos olhos, não esconde um ponto apenas, ainda que esse ponto seja algo magnífico, como é o caso das referências aqui citadas. Os olhos passam a não mais vislumbrar qualquer coisa que exista. Aliás, não sejamos injustos. Existe algo que continuamos a enxergar. A escuridão. Os olhos velados, contemplam o véu soberano que os acolhe. O chamado cego, seria este ser impedido de contemplar a luz.

Quem já brincou de fechar os olhos e se concentrou nessa ausência de luz, consegue perceber certos pontos luminosos, que são como pequenas fagulhas. O fenômeno do eclipse, faz com que, quando estamos diante de algo assustador, por exemplo, ocorra a reação de fechar os olhos. Já diz o ditado, “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. Mas ainda sentimos palpitar o peito, mesmo privado do horror que a visão provocaria, ainda somos acometidos pela ansiedade, tanto de fugir do que causa mal, quanto do desejo de voltar a enxergar, livre daquela aflição. O beijo, uma maravilhosa sensação, é feito de olhos fechados, procurando sentir a intensidade daquele paladar e das sensações de tato, olfato e audição. Busca-se se afastar, entre os sentidos, apenas da visão, como se essa pudesse estragar aquele momento. Algumas pessoas insistem em beijar de olhos abertos, quem sabe por uma curiosidade de ver a reação do outro, embora não possa ver a sua. Os dois de olhos fechados, assumem a cumplicidade de não invadir essa intimidade alheia e sim aproveitar suas intensidades. Um eclipse mútuo.

Temos no eclipse, algo velado, que faz com que sejamos privados de ver algo. Mas acabamos vendo alguma coisa, já que contemplamos a parte que serve de cobertura. Ao deitarmos para dormir, mais uma vez somos privados dessa chamada “realidade” de estar acordado. Mas nos abrimos ao mundo dos sonhos, fazendo com que o cérebro mantenha seu funcionamento, mesmo que privado desse contato extra-sono. Os momentos de eclipse são muitos e outras vezes eles ocorrem conosco em outra medida. Passamos pela rua e avistamos alguém, logo essa pessoas é escondida por um veicula ou outra pessoa. O mesmo pode ocorrer conosco, de estarmos à vista de alguém e em outro momento, desaparecermos dos olhos alheios. Tal estratégia se enquadra bem em uma batalha, sendo chamada de camuflagem. Uma forma de se proteger do campo de visão de um agressor. O eclipse esconde, por isso possui todo seu ar de mistério. Em muitos momentos desejamos realmente ou ver ou não ser vistos e isso ocorre com as outras pessoas e mesmo outros animais. Em certas ocasiões, onde o sol nos castiga, adoramos o eclipse de uma árvore, que irá nos privar da tortura daqueles raios solares.

Ainda resta o eclipse final. A morte. Quando fechamos os olhos para o mundo e não mais abrimos. A escuridão é a força mais antiga da qual temos contato. Basta ver em todas as lendas e mitos de um povo, desde tribos indígenas, até gregos, egípcios etc. começa a história com as trevas, ainda que depois supervalorizem a luz, não podem excluir esse fator primordial. Diz a passagem bíblica, “que do pó viemos e para ele retornaremos”. Talvez seja interessante imaginar que das trevas surgimos e por ela seremos engolidos. O escuro, ao mesmo tempo que aterroriza, aconchega, como no caso uterino. A escuridão já habita dentro desse corpo em que vivemos, já que a dobra dos tecidos cria essa noção de invólucro e permite esse dentro, privado de luz. Claro que existe a energia, imaginando as descargas elétricas cerebrais, mas isso ocorre em um setor apenas do corpo. O eclipse seria esse brincar de esconde-esconde, onde desejamos não ser encontrados, somente até certo ponto, já que a intenção não é ficar esquecido para o resto da vida. Truques de maquiagem e vestimentas, podem dizer o que realmente desejamos ocultar ou revelar, ainda que seja apenas uma impressão.

Por fim, temos o eclipse como um evento de consciência do mistério. Algo foi escondido, mas existe aquela percepção que logo irá aparecer. A dúvida esta, em antes do desfecho, o objeto ter aparecido e desaparecido ao mesmo tempo, como o gato de Schrödinger. Antes do evento eclipse, temos a noção de que o sol existe, no decorrer do evento, ele deixa de existir, e posteriormente, volta a existir. Claro que no eclipse de um astro, percebemos etapas, onde somente quando o fenômeno chega no alinhamento preciso, é que a ocultação é completa. Então devemos focar nesse ponto exato, o sol esta e não esta, podendo deixar de aparecer. Quem sabe se o fenômeno durasse um período maior do que nossas existências. Pela mesma perspectiva, como temos consciência disso, como é o caso da morte, podemos dizer que todo ser humano é um morto-vivo. A percepção alheia vai permitir viver em relação a outras pessoas, a percepção de si, fará com que tenha relação consigo mesmo. Morrer não é pertencer a um eclipse, pelo fato de não existir essa conexão de algo que promova uma perspectiva. As religiões criaram a ideia de vida após a morte, promovendo a dúvida do eclipse, sobre a possibilidade de estar vivo-morto. O eclipse promove a dúvida, baseado em estados diversos que se intercalam. A percepção do sujeito sobre o fenômeno, o fenômeno, uma percepção alheia e a perspectiva que o tempo promove, com o antes, durante e depois, sendo observados por algo se planifica em um dado espaço.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 27/01/2014
Código do texto: T4667381
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