Memórias

Curioso, como funciona a nossa memória. Ela capta fragmentos ínfimos das experiências vividas e as guarda, ou melhor, se constrói a partir delas. Existem instantes em que ela trabalha sem darmos conta. Se estamos diante de um problema, quem sabe um gesto perante um ato, isso aciona mecanismos que busquem solucionar ou dar conta da situação. A função de referência é primordial, inclusive no quesito sobrevivência. Diante de um perigo, certos atos ocorrerão independente da memória, como se fosse algo instintivo. Outros exigem maior concentração, como uma prova, por exemplo. Isso faz com que a memória seja algo operante e essencial em nossas vidas, criando uma espécie de link que favorecerá um momento de lapso, ou seja, sem que saibamos como proceder. Uma criança com o dedo em um interruptor pode ser uma dica a respeito da falta de experiência ou memória dolorosa de já ter realizado algo parecido. Alguns não se atrevem apenas pelo conselho de outros mais experientes, mas existem sempre os ousados.

Um fascinante recurso que desenvolve e memória seria o que chamo de “empatia”. Quando nos vemos de algo desconhecido, a primeira reação do cérebro é associar com algo já conhecido e fazer conexões para que lhe pareça familiar. Como exemplo, posso mencionar, aquele momento em que caminhamos em um local nunca antes percorrido e temos aquela sensação de já termos passado por ali. Talvez certos místicos digam que tenha algo a ver com vidas passadas. Se vida passada se referir a memória de um passado, devo concordar com eles. Estamos próximos um campo florido e alguém faz questão de mostrar aquela maravilha de sua cidade e logo completamos que existe um parecido onde moramos, ou aquela vitrine que se assemelha a uma outra que contemplei em uma viagem. Com as expressões faciais nem se fala, existem até quadros em programas televisivos onde as pessoas tentam dizer com que pessoa famosa aquele sujeito se parece. A mente busca naquilo já conhecido sua associação, favorecendo a familiarização para uma tentativa de compreensão. A nossa forma de compreender se serve de um aparato já conhecido para lidar com o novo.

A presença de algo considerado uma novidade, representa antes de tudo, uma associação com não-novidades. A hermenêutica é justamente essa base comum que promova a integração entre o que possui com o que lhe foi ofertado. A memória faz esse mesmo processo, trilhando um caminho desconhecido a partir de suas trilhas de conhecimento. As ligações nos fazem mais do que compreender ao redor, mas te possibilita ser compreendido ou compreensível. Certa vez um professor comentava sobre a nossa não compreensão diante de um espelho e sem memória. O espelho nos mostra a imagem mas não diz quem não somos. Se perdermos a nossa própria referência, não serão espelhos o outras pessoas que nos dirão a respeito dela. A memória diz o que somos a cada instante, revelando traços armazenados ao longo de anos. Muitas características nós não tomamos conhecimento que fazem parte de uma memória. Mas como saber sobre a forma de segurar um garfo, se a memória não estivesse ali para nos ajudar. O chamado, “mal de Alzheimer”, esta explícito, demonstrando o quanto a memória atingida compromete por completo as atividades humanas, ainda mais por ser uma doença degenerativa em um processo gradativo de destruição.

Voltando à hermenêutica, muitas obras com certo grau de complexidade, dependem, em muitas oportunidades, de estudos prévios para familiarizar com aquele tipo de leitura, fazendo com que tenha uma melhor compreensão. Posso destacar meu próprio exemplo, que diante da bela obra “O Anti-Édipo”, dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari, me deparei com um bibliografia extraordinária. Muitas obras, não tive acesso. O que dificultou, e muito, o entendimento em certos trechos. Em compreensão, a leitura prévia de certas obras e autores, me fez enveredar pela obra e conseguir concluir, tendo alguma noção a respeito do que foi ali trabalhado. Passo a entender quando um professor diz que certa obra o aluno que não está habituado, deve ler algumas coisas antes. É um mecanismo que pode ser desenvolvido sem a leitura prévia, desde que existam compreensões próximas aos autores de uma obra. O que chamam de um autodidata, seria essa pessoa que consegue chegar ao nível apresentado sem passar pelos chamados “estágios necessários” ou melhor dizendo, estágios pré-definidos”.

No quesito resgate, a memória pode tanto facilitar, como deixar resquícios-barreiras, ou seja, pequenos traumas que a psicanálise, por exemplo, tentará auxiliar em uma solução menos angustiante para seu paciente. Mas seria mesmo necessário, como alguns desejam, apagar certas informações? A memória cria a identidade, fazendo com que tenhamos essa ideia de indivíduo, como também pode criar uma memória coletiva. O termo empatia foi aqui utilizado, porque esse conceito carrega essa carga de reconhecimento, no sentido de se tornar próximo. As formas de memorização favorecem a integração com a novidade, ainda que em certos traumas possa ocorrer um afastamento de relações. Entretanto isso não é um impedimento ao novo e sim uma das formas de reação diante da realidade. A realidade passa por cima de todos nós, independente de nossa vontade, já a memória, age conforme interesse íntimos, podendo agregar ou repelir aquilo que encontra.

Uma obra de arte pode explorar a memória, bem como toda uma simbologia. Textos, sons, imagens, fragrâncias, gostos, existem diversas formas da memória atuar. Eis a questão do chamado patrimônio histórico, onde a memória material dirá para as gerações futuras sobre sua origem, contendo ali a gênese de uma cidade, um povo etc. também existe a resistência de quem deseja criar novas memórias coletivas, fazendo com que antigos patrimônios sumam para a construção de novos e a dúvida de que valor desejamos realmente agregar se os anteriores ou contemporaneos. Muitos tentam fugir dessa prisão, criando formas de esquecimento, que vão desde porres homéricos, até alienação através de programas de televisão, rádio ou mesmo jogo de futebol. Existem também gradações, coisas que esquecemos mais rápido que outras. Algumas mais resistentes, muitas vezes são a base de expectativas e daquilo que compreendemos como “ser”. outros tipos de memória são limitadas a momentos-instantes, onde agimos perante um fato e posteriormente, pela não repetição daquele ínfimo parecer, acabamos desligados quase instantaneamente de uma origem acerca daquilo. Efeitos de momentos ínfimos podem influenciar a alteração de pontos que jamais associaríamos aquele momento-instante. A memória é que garante ao homem se in-formar.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 19/01/2014
Código do texto: T4656455
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