Espaços

Dentro de diversas criações humanas, uma que se torna essencial em seu desenvolvimento é o conceito de espaço. Mesmo quando trabalhamos com a ideia de tempo, pressupomos um espaço, onde ele possa se desenvolver. Se imaginarmos no início dos tempos, quando um animal resolveu andar ereto e começou a ter sua capacidade de inteligência com um diferencial abstrato em relação a outras espécies, que o homem já busca se localizar. Ele sabe onde está e procura se mover em relação a onde deseja estar. O espaço envolve localizar-se fazendo com que consequentemente, localize os outros a partir de si. Você é a referência, como assumindo a posição de ponto e a partir dessa perspectiva observa ao redor, cabendo ao alheio a função de outro — pensando nessa alteridade sob a perspectiva satreana —, já que o diferente de si, mostra o limite de teu ser e ao mesmo tempo demonstra a capacidade alheia em ter semelhantes possibilidades.

Se eu posso me localizar e definir o que está ao redor, o outro também pode. Nós passamos a fazer parte de outras esferas espaciais e compor essa trama de relações que se dá naqueles inseridos em um meio que favoreça a interação. Só de pisarmos no solo, estamos condicionados à natureza daquilo que á palpável e passamos a representar algo. O objeto de caça é uma forma de tentar usurpar o espaço alheio, visando a sua própria sobrevivência. A conquista de território, mesmo não tendo esse nome, já existia, se pensarmos na dinâmica e não no conceito, pois estaríamos sendo anacrônicos. O grupo que caça, precisa muitas vezes explorar uma zona de ação que não faz parte do seu domínio, exigindo investir no desconhecido, com a tentativa de alargar sua área e possivelmente aumentar seu poder, já que passa a ter uma perspectiva de zona muito maior. O espaço permite diversas formas de conceituar dentro de sua capacidade de análise, podendo citar território, zona, área, região, campo etc.

O sujeito que resolve mover-se já se coloca em luta territorial, já que esse ato envolve sair de uma condição e confrontar-se com limites alheios. Um casal de amantes representa uma troca de espaços e ao mesmo tempo uma união que quase chega a ser uma junção, não fosse sua separação depois do ato. Embora ainda exista uma permanência no campo dos sentimentos, como povos distintos que se mesclam em um tempo, por motivos de guerra por exemplo, ainda mantendo seus traços culturais, mas já dispostos a pertencerem a um mesmo Estado. O estado de amor é a junção dos corpos. Mas aqui falamos de outros aspectos. Se voltarmos para a realidade física, dois corpos, com realidades distintas, podem ter à disposição uma mesma residência, são distintos em atos, mas convivem em uma área, que pode ser alargada, se pensarmos no bairro que mora e que faz parte de uma zona com certa disposição social na cidade. O sujeito pode não morar junto com outro, mas pertencer a uma mesma zona, quem sabe atuando em um mesmo campo, seja na questão profissional ou educacional.

O espaço é limitado conforme a necessidade de cada um em contraste à necessidade dos outros. Você em uma sala de aula, terá um lugar reservado, que atende a esses critérios espaciais, bem como nas ruas, em um fórum, enfim, sempre teremos um lugar para ocupar, ainda que estejamos no deserto, já que a referência parte de cada um de nós. Já analisamos algo a partir de um espaço. Por isso buscamos a superfície, na tentativa de conceber seja o que for. Se estudamos, usamos um papel, a carteira que abriga o papel, a lousa que mostra a matéria, a televisão que transmite imagens, as formas como as pessoas se vestem. De acordo com uma roupa e a dimensão corporal, podemos deduzir isso ou aquilo a respeito das formas. Na matemática criamos o espaço onde podemos utilizar os números, jogando-os no abstrato para a possibilidade de interação com eles. O próprio espaço sideral, foi concebido dessa forma para que tenhamos alguma noção a respeito dele, mesmo que ainda engatinhemos quanto a sua extensão, sabemos que é um espaço e partir disso, podemos até teorizar como Einstein e tecer malhas e curvaturas.

Lembrando que a curva é a dobra do espaço. Mesmo se imaginarmos um dentro e fora, ainda estaremos diante de uma superfície que é maleável e ao mesmo tempo enrijece, se fazendo de meio entre o que acreditamos ser conteúdo e forma. Ainda na escrita, formamos nossa linguagem se temos uma base para que ela possa se alicerçar. As leis só atuam porque existe um espaço onde atuam e determinam até onde vai uma coisa, eis a jurisprudência. Em tempos de guerra, estrategistas se desdobram para conseguir manipular ao máximo o espaço, de modo a favorecer suas táticas. A cartografia risca para que se possa apreender e com isso aplicar algo. O homem antes de qualquer coisa é um ser espacial, está diante do mundo que o absorve e devolve sua pessoa como algo que está ali. Que sabe isso, apenas por deduzir a partir de si todo o resto que lhe escapa, formando um além. O homem é o espaço que se projeta em tudo que entra em contato, uma espécie de inversão do princípio de Hermes Trimegisto. É o micro que tenta determinar o macro, com uma visão que codifica o mundo para que possa atuar sobre ele.

O espaço é a condição para tudo que existe. O homem só se vê projetado e todas as coisas que imagina estão baseadas nesse princípio. Até mesmo as ideias agem dentro da realidade de um espaço-cerebral, condicionadas pelo cérebro e suas funções de ordem neurológica. Mesmo na religião, um deus precisa estar em um espaço, tanto para atuar, quanto para existir. A necessidade de um lugar, fazer-ser, um campo onde a trama possa se desenrolar e mesmo se pensamos em um Big Bang, o espaço está lá, do início ao fim. Por ele nos movemos, nos fazemos, nos conduzimos, agimos e recebemos a influência, projeções delimitadas. A análise de Delezeu e Guattari é fantástica, pois mostra essa capacidade rizomática, ou seja, do espaço ir se prolongando de forma horizontal e entremeada, com diversas combinações ramificadas, que possibilita infinitas variedades a partir de suas múltiplas combinações. O grande espaço vital, sem aquelas visões de antigos geógrafos e estadistas, mas como verdadeiro sentido, o eterno fazer-se e o retorno ao condicionante espaço, a fórmula de Nietzsche, o único que nunca é o mesmo.

Por fim, observam o espaço como um vazio. Como quando nos referimos ao entre textos. Mas o espaço ele é preenchido por nós como condição de superfície. Uma causa. Entre um texto e outro não existe o nada, apenas a falta de texto, mas o espaço continua lá. A falta de alguém, na morte, tira essa pessoa do espaço, fazendo com que deixe de existir e aí sim podemos chamar de um nada. Mas o espaço é um campo onde as coisas se movem e se criam. Embaixo de um texto temos uma folha, como embaixo da folha, uma mesa, da mesa uma chão, do chão uma profundidade que pode chegar ao núcleo terrestre, caminhar para fora do planeta, chegar em campos gravitacionais e continuar aprofundando, mas jamais nos livrando do espaço em si. Talvez exista algo não espacial, mas nós, como seres espaciais, e como bem expôs Deleuze, não saímos da superfície. No máximo, iremos desvendar uma das tramas, o que consequentemente nos fará enredar em outra, como as diversas cavernas a partir da primeira que decidimos abandonar, como na alegoria de Platão.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 27/12/2013
Código do texto: T4627180
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