A Sala de Aula
Uma sala de aula atende diversos desafios que lhe são impostos à medida que ultrapassamos o limite entre o externo e o interno, ou seja, a porta. A porta é o primeiro desafio onde pensamos se devemos ou não adentrar aquele espaço. Quando crianças, somos forçados a ultrapassar essa barreira e enfrentar um mundo limitado em princípio por uma dimensão espacial. Invadimos o espaço, como intruso em relação aos que estão dentro e inclusos como quem deseja fazer parte de alguma forma daquele grupo. Confrontamos essa realidade com o incentivo social apresentado pela necessidade da educação.
Transposta a porta, vamos em busca de um lugar. Onde iremos ocupar de acordo com a diagramação formulada antes de adentrarmos. Sentamos e presumimos o peso dos olhares alheios, com a força da autoridade instituída ao professor. Vibramos quando nosso nome é anunciado sem nenhuma descrição, expondo a particularidade. Ao nos apresentarmos, isso fica ainda mais constrangedor, já que lutamos contra a timidez e todos aqueles elementos que se voltam para nós e instigam-nos para obter informações. A chamada é a forma de definir uma das ordens, onde cada um recebe um número e embora o nome seja por diversas vezes mensurado, contabilizamos uma fração do segmento educacional que irá compor gráficos que irão definir o sucesso ou fracasso a partir de índices.
Nos aproximamos de alguém ou alguns, para tentar socializar, já que a sobrevivência muitas vezes depende disso. Daí a busca por semelhanças, compondo organizações que se estruturam, muitas vezes, como forma de resistência à instituição. Outros tomam uma postura de isolamento, criando uma figura à parte, protegendo-se através de suas próprias impressões e causando distância evidente nas relações. A diversidade de idades, bem como as realidades sociais, fazem com que distintos tipos tenham que conviver de forma forçada dentro de um mesmo ambiente, criando certos conflitos que podem acarretar em violência. Ser aceito e aceitar são duas tarefas difíceis e ambas dependem de si e dos outros. A homogeneidade desejada, apenas provoca tensões de heterogeneidade. O sujeito tenta evitar a forma com que será enquadrado, tornando-se arredio e agredindo, feito um animal que luta em um primeiro momento no cárcere.
Busca-se o fora. Os alunos tentam sair há todo momento. Uma ida ao banheiro pode ocasionar uma bela tentativa de fuga, podendo transitar por corredores e sair daquele ambiente opressor. Alguns extrapolam os muros e grades e ganham as ruas, assim como outros nem mesmo adentram os portões, com uma repulsa contra a instituição. A raiva pode ser transmitida a um gesto, como a recusa de participar de uma atividade, como o ataque a outros alunos ou aos profissionais que ali trabalham, principalmente o professor, que se torna a figura direta e recorrente na sala de aula, representando o sistema coercitivo. O barulho de outra turma ou da rua, pode gerar um caos, já que os ouvidos e o máximos dos sentidos, estão atrás do que foge ao espaço de contenção.
A lousa, os projetores e todo aparato que tenta dar uma ideia ficcional de fuga, são estratégias de pacificar os ânimos. Os sinais, que remontam as antigas sirenes dos campos de concentração, fazem com que se aglomerem e caminhem em direção aos destinos fechados, como um toque de recolher, já bem uti9lizado pelos antigos sistemas fabris. O sinal de entrada é a angústia, enquanto o de saída é a liberdade e por isso os gritos emocionados e a correria para as portas. Os exercícios e atividades realizadas, cansam e cobram uma postura producente. Encarcerados que precisam atuar até o momento de soltura. As revoltas eclodem e as cadeiras são quebradas, rabiscadas. Qualquer forma para que o tempo, essa cruel lentidão, passe o mais rápido possível que a sua vagarosidade permita.
O professor disciplina, com suas coerções e métodos de tentativa de controle. Sabe que a dinâmica institucional exige que ele tenha o domínio sobre aquele espaço para que possa aplicar o programa. As cortinas, as cores opacas, as falas repetitivas. Seguimos uma doutrina que prepara para outras ainda mais violentas, como as de um mercado trabalhador exigente e de uma sociedade pouco tolerante. A sala de aula é o segundo espaço de contenção do sujeito, já que o primeiro é o lar, ou quem sabe, possamos falar sobre o zero ou marco inicial, que seria o útero, antes de abrir passagem em meio a um organismo e invadir o mundo exterior. Em seguida, em seu lar, descobre as primeiras formas de privação, sabendo sobre o que pode e o que não pode, o que fazer ou não, onde causa dor e o que fornece prazer. Chega na escola quando se havia se ambientado com a casa, necessitando agora explorar relações além das familiares, enfrentando clãs, regras duras sociais que os familiares não poderão contornar etc., além de sua própria responsabilidade diante das novas funções desempenhadas.
Assim, a sala de aula demonstra de forma nem evidente a força do tempo e do espaço atuando dentro da lógica do sujeito. O espaço reduzido e as determinações acerca de onde ocupa e o que executa, faz com que existe uma castração na exploração territorial, ou antes, a percepção da ideia de território de forma bem consistente. A temporalização cobra velocidades, impõe ritmo, promove uma pressão pela perspectiva de execução, o que fomenta estratégias. Os alunos buscam meios de intervir para que o tempo seja favorável a eles, já que conhece o poder que a temporalidade exerce habitualmente em suas rotinas. O espaço também é versátil, o que mesmo com mapeamentos, torne possível novas ligações e meios de interagir que irão escapar de alguma forma da tentativa de controle. A sala de aula é uma tentativa de redimensionar os conflitos sociais, compactando-os dentro de uma tentativa laboratorial, com possíveis resultados, que irão servir a três modos de interesse: o pessoal, que envolve aluno, professor e os interesses individuais de cada sujeito; o social, que seriam as expectativas que a sociedade cria e deposita em um sistema que pretende instrumentalizar a espécie; e o institucional, que utiliza o discurso de agir conforma as pretensões da sociedade, mas que muitas vezes atende apenas os interesses de uma pequena parcela do grupo social que representa.