Sobre Avaliação
Muito se tem discutido acerca do processo avaliativo, com diretrizes sendo reestruturadas, objetivando atender um novo olhar a respeito deste âmbito considerado crucial na educação. Quando tratamos das formas de avaliar, entram em jogo diversas características que aqui iremos tratar, não tendo a pretensão de elucidar, mas sim, criar novas formas de observância crítica.
Primeiramente, devemos pensar na relação de poder que envolve o avaliador e avaliado. O primeiro se coloca como detentor de um poder-saber, fazendo com que, através de seu conhecimento, consiga dizer onde e quando o conhecimento alheio não conseguiu se adequar às exigências que certas normatizações decretam. O avaliado sente o nervosismo da subserviência, já que depende daquilo que o outro diz a seu respeito. É feito a partir de uma perspectiva alheia, que utiliza o argumento da técnica para dizer o que é ou não qualificado. Mas entram outros fatores.
O sujeito que avalia, também já foi avaliado. Cada um possui sua forma de avaliação, ainda que seja alicerçada por medidas de uma ordem técnica. Pois a aplicabilidade não tem como fugir da subjetividade. Assim, o avaliador foi avaliado também e determinado apto a partir de critérios que alguém, em outra época e outras condições, estabeleceu. O tempo é um fator importante, bem como todos os outros aparatos, podendo citar o espaço, a conjuntura etc. A dificuldade que aparece é uma distância entre o avaliador e o avaliado, já que ambos possuem critérios que aparentemente alteraram ao longo do tempo. Claro que existem permanências e que as mesmas são exploradas com intuito de minimizar esse abismo.
Voltando na questão das relações de poder. O aluno, como muitas vezes ocorre, diria que talvez alcance 90%, está na escola por uma obrigação, alguns professores também. Ambos se suportam, fazendo com que as relações diárias sejam insuportáveis. O educando resiste de todas as formas que lhe cabem. Gera no profissional de educação, uma postura informal, já que trás para o lado pessoal as agressões. Isso desencadeia uma espécie de vingança, refletida em uma avaliação, procurando causar algum dano aquele que anteriormente também o prejudicou, já que seu trabalho se baseia também nesse processo relacional. O professor se vê no papel de justiceiro e não avaliador.
O sistema educacional, baseado em teorias sofisticadas já apresenta uma outra perspectiva sobre as avaliações, embora na prática, as antigas estruturas se mantenham de forma rígida. A própria forma como os professores são avaliados, ainda atende gráficos que buscam mais atender a propaganda eleitoral do que um sério desenvolvimento educacional. O objetivo está em atingir índices, fazendo com que antigos critérios de decorar e pressões que desqualificam outras formas de avaliar venham à tona, marginalizando mais uma vez a quem não se enquadra nesse organograma dito “meritocrático”. A meritocracia não é eficaz, por não dar condições equivalentes de competitividade.
Tais índices também dificultam o trabalho realizado em uma perspectiva de avaliação mais ampla. Pensemos em um aluno que está se desenvolvendo. Que tenha sido avaliado por diversos modos, desde sua eficácia oral até a forma como auxilia outros alunos, o que favorece o aperfeiçoamento das relações sociais. Quando está diante de uma prova para vestibular ou algo do tipo, tudo isso será deixado de lado, contando apenas o “x” certo em questões de múltipla escolha, que foram feitas não com intuito de avaliar, mas sim, escalonar e eliminar, para conseguir atingir as demandas que os cursos superiores conseguem suprir. O sujeito reprovado, sentirá a dor da ineficácia e talvez, anos de aprendizagem, sejam desmotivados por um único momento, em que foi julgado e sentenciado como ineficaz.
O próprio quadro de notas, mais uma vez favorece uma escalonação, que se parece com aqueles anúncios de funcionário do mês, onde disputa-se a posição de destaque e o que menos se leva em consideração, é o progresso alcançado pelos educandos. Os professores, jamais terão uma consciência de sua limitação, enquanto permanecerem com aquele ideal platônico de resgate de prisioneiros de uma caverna, como magisters acima da vã consciência. Antes de educador, todo professor será um eterno educando. A aprendizagem é recíproca e será avaliado junto com seu aluno, não com intuito de responsabilizá-lo inteiramente pelo sucesso ou fracasso e com isso obter ou não gratificações. O objetivo é ter consciência da profundidade das relações desencadeadas no sistema educacional e que deve conseguir romper a massiva burocratização.
Alguns métodos confundem a necessidade de inserir no mercado de trabalho com a transformação do ambiente escolar no próprio local de trabalho, com rotinas e rigores que apenas criam um desgaste nos que ali convivem. A escola possui sua função empregatícia, pois existe todo um corpo administrativo que precisa gerir aquele espaço. Entretanto, não podemos agir como em um comércio, onde o número de vendas irá determinar um lucro ou prejuízo, fazendo com que o comerciante possa medir seu sucesso. As relações escolares promovem algo mais íntimo, afetando alunos e professores, não podendo dizer que um outro não se envolva. Existem outros interesses nesse ambiente, que também influenciam, mas não que não devem se sobrepor ao compromisso educacional.
Também não desejamos focar no magistério como algo sagrado e o profissional estando relacionado a algum dom. Como toda profissão, está também precisa cumprir metas e agir em função de critérios estabelecidos. Mas por ser de ordem pública, os profissionais possuem participação nas decisões, fazendo com que assuma um caráter duplo, o de promotor e fiscal, já que deve atuar e cobrar a respeito do que está sendo realizado. O magistério possui contradições que permitem um aprofundamento de questões sociais, fazendo com que o conflito possa gerar significativas transformações.
Assim, a avaliação precisa possuir uma natureza ambivalente em que tanto o educador quanto o educando sintam-se modificados e que a experiência tenha trazido significado a ambos. Não com intuito de favorecer ou prejudicar, mas de transformar a realidade educacional de ambos, criando um vínculo que aprimorará esse trabalho comum, conseguindo contagiar as diversas esferas e promover um ensino mais democrático, ou seja, com uma participação bem mais ampla e de caráter funcional para a sociedade. Ainda se dando conta, que nunca conseguiremos dar conta de avaliar o outro, já que uma significativa porcentagem caberá ao próprio avaliado, que possui perspectivas inalcançáveis a olhos alheios. Pois avaliar é dar valor e não existe legitimidade nisso se a pessoa não reconhecer o próprio valor, que é diferencial em relação ao atribuído por outros que não ele.