Vivendo o Texto
Corro nesses trilhos traçados como parâmetros para uma grafia. Percorrendo as linhas que levam a uma margem. Marque bem que lugar de desastre é perder-se na lauda sem pauta. O branco que inunda, como um lago, que quer se fazer de oásis. Mas este deserto aquoso, é sólido e me machuca, com o bater de canetas e lápis, que forçam passagem. Risco correndo o risco de cair no abismo da falta do que escrever, que irá consumir toda a mente em um a imaginação vaga de um niilismo pleno. Procuro no ponto final o meu fim, encontrando apenas marcas de passagens, no máximo quebras que me arrebentam. Caio por entre folhas que são dobradas e folheadas, como se a vida passasse de uma vez e que por um instante nos déssemos conta disso. Isso é tudo que consigo refletir nesse espelho pálido, que absorve o que lhe ofertam como alimento, em um ritual de oferenda incessante.
Quão roto estou, carcomido pelas traças da consciência, que martela os caracteres para impressionar na hora de imprimir os símbolos. Falo tanto nessa mudez exposta. Quase pulo ao saltar linhas, como se pudesse deixar os pés levitarem e como uma divindade, abrir mares de páginas e caminhas sobre rios de papel. Caneta de pena só me faz sentir pena desse eu mesmo que insiste em querer ser um, pressionando a vida contra o ego, a ponto de tentar fundi-los. Provo os goles secos das formas que ganham vida morta nos textos, corrompendo com o contraste dos pontos, que vagueiam feito um mar cósmico. Não sou gente. Palavras se formam e mesmo na rasura, representam algo substancial, carimbando esse mundo romanesco. As convenções estão ali, posso sentir a cada vírgula que reprime meu ir e vir e os pontos que fecham passagens e criam um verdadeiro labirinto. Os acentos desejam me dizer quando, entre uma entonação e outra.
Um moleque, que tenta ser travesso, buscando a revolução da mudança e caindo na cíclica. Aprisionado por cada regra, que formaliza, restando o apelo moral, que diz ter ido ali por isso ou por aquilo, como se algo fizesse algum sentido, além do sentir ao pressionar o objeto de escrita e os calos que se forma nos dedos, a ponto de doer ao simples contato com o algoz instrumento. Tudo é tinta que se solidifica, feito o grafite que também se dissolve, deixando micros partículas. Solidificar o pueril projétil lançado no sulfite, que rasga de lado a lado, como uma bala que encontra um alvo passivo de destruição. Toda vítima é a composição do carrasco, pois é a consolidação de sua fúria, manifesta na tragédia que é desnudada. O ponto escorre e vira vírgula, tentando despregar-se daquele seu papel duro, indo de ponta-cabeça, inverte-se em aspas. O acento não é tiro, mas flecha, pois é possível acompanhar a beleza da trajetória e sua forma esbelta que se insinua sobre o alvo, apontando rígida e virando crase,para que possamos perceber a trajetória contrária do arqueiro invisível, travestido em mãos de agente, já que a gente não para de agir.
O travessão me atravessa, como se fosse um batente que mostra um declive, quem sabe um aclive. O olho pode observar o texto já feito, pensar no ainda não feito, quem sabe do meio de algo já produzido, feito uma pessoa diante de um cruzamento, possa perceber essa teia e se perder em um encontrar-se de signo. Como é triste seguir entre siglas e silabas, fazendo-me uma espécie de oculto, pronto a saltar a qualquer momento, apesar de já estar em evidência. Até quando fico mudo, eu gaguejo em reticências, agarrado em estrofes, buscando fôlego em algum parágrafo. Paro e gravo o quão diluído estou, tentando resgatar-me em uma memória de fósseis, que serão refletidos em olhos de pupilas-reflexos, que tentarão me desvendar, com vendas que serão sobrepostas nestas faces do amanhã. Cantarei por pontos exclamativos, interrogativos, desejando ser aclamado. Tudo isso, muito mudo. Calado. Calejado. O texto eu vivo, quando me desfaço.