SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DO POVO BRASILEIRO

Em vista do que tenho visto e lido sobre as manifestações do povo e juventude brasileira e sobre a opinião de muitos de que devem parar e que tudo não passa de manipulação por parte de gente má-intencionada, gostaria de dizer algumas palavras. Entendo o que essas falas tentam dizer bem como suas preocupações, pois penso que vem do fato de estarmos vendo em muitas manifestações pacíficas alguns grupos esdrúxulos tentarem se aproveitar para barbarizar e cometer vandalismos. Contudo, também temos visto que a maioria da população e juventude dos movimentos não concorda nem coaduna com isso. Por outro lado, basta dar uma olhada na internet para encontrarmos inúmeros textos e artigos dizendo que tudo não passa de um golpe da direita para derrubar o governo e implantar ditadura militar novamente, ou o contrario, que tudo não passa de golpe da esquerda para implantar a ditadura do comunismo, sob novas vestes. O que me chama a atenção nisso tudo é que as pessoas parecem pensar que ainda estamos nos anos 60 e 70. Parecem imaginar que tudo ainda se resume na dicotomia esquerda e direita, capitalismo e comunismo. Sim, em 64 muitos também foram às ruas, mas não apenas por causa de insatisfações, e, sim, tambem pelo medo instaurado pela mídia de então em relação ao comunismo que supostamente acabaria com as famílias e com o Brasil. Mesmo assim, não se pode dizer que mais da metade da população de então pediu para ser governada pelos militares. Eles é que se aproveitaram e tomaram o poder.

Hoje vivemos num contexto um tanto diferente. Vivemos numa rede mundial, e o mundo inteiro está em crise de paradigmas. Nossos jovens nasceram e cresceram nessa rede, e já há um bom tempo têm contato com o que acontece nos outros países e com os movimentos das sociedades insatisfeitas na maioria de todas as nações do planeta. Não é só aqui no Brasil, é em todo lugar. A nova geração e o povo estão descobrindo que esquerda e direita, capitalismo e comunismo não funcionam, não servem mais, e o mesmo serve para regimes militares tanto da esquerda quanto da direita. Estão descobrindo também que democracia, na qual a maior fatia do bolo vai para governantes, políticos e uma pequena elite, enquanto o resto, bem menor, é direcionado ao povo, não é democracia de fato, é uma nova espécie de ditadura travestida de democracia, que não tortura seus cidadãos em dói-codis, mas os deixa ao “Deus dará” e os desrespeita das mais variadas formas.

Por mais que algumas coisas tenham melhorado com governos de esquerda em nosso país (e eu sou eleitora desses governos e nunca estive nem estarei do lado de direita nenhuma nem de esquerdas totalitárias, ainda que no Brasil essas ideologias, a meu ver, nunca foram de fato as bases fundamentais dos partidos que as pregam), é preciso reconhecer que a desigualdade, a impunidade, a corrupção de todos os partidos sem exceção, os desmandos, as incompetências administrativas, o crescimento do fundamentalismo religioso ( esse sim, bastante preocupante em minha opinião), enfim, os absurdos de toda ordem, são gritantes e insustentáveis. E não é tapando o sol com a peneira que se resolverá isso. Por outro lado, não se trata mais de esquerda e direita, mas de sairmos dessa fôrma e ir além, trata-se não só no Brasil, mas no planeta todo, de descobrirmos novo paradigma, novas formas de se fazer política democrática, e de atentarmos para o fato de que já existem novas ditaduras não-militares nessa rede planetária, a ditadura dos grandes conglomerados, por exemplo, que intervém tremendamente na economia e governos dos países, é uma delas.

O que precisamos compreender é que estamos vivendo numa transição da Era Industrial para a Era Informacional, para a Sociedade em Redes, o que tem levado a grandes transformações sócio-econômicas, culturais e políticas no mundo todo, bem como a uma crise da democracia representativa. No sistema em redes as pessoas têm muito mais acesso às informações e a discussões, troca de ideias e debates de toda espécie, surge daí as possibilidades de diversos tipos de união, emponderamento e representatividade própria. Os partidos políticos são intermediários da representação dos indivíduos junto ao poder público, dentro de uma organização hierárquica e vertical. O que a sociedade em redes nos traz é uma crise dessa democracia representativa, porque as pessoas não se sentem nada representadas pelos partidos distantes, verticais, corruptos, descompromissados com elas e com o real bem comum, e desejam outro modo de representatividade e de exercício do poder, que realmente contemple a todos e seja mais horizontal e circular. Essa crise da democracia representativa não permite mais o tipo de comunicação e respostas tradicionais dos fazeres políticos permeados constantemente pela hipocrisia, incompetencia, cinismo, descaso, conxavos, acordos escusos, dogmatismos, discursos vazios e total falta de transparência. Isso não quer dizer que essa nova era em redes negue a política, como muitos parecem crer, ao contrário, nunca se teve tanta discussão e debate sobre as questões políticas como nos últimos tempos, isso só quer dizer que é necessário encontrarmos novos meios de se fazer política democrática mais real. Não há ainda soluções e respostas prontas nessa crise, o que há é um apelo cada vez maior para mudanças e para o nascimento de novos paradigmas de comunicação, participação, representatividade popular e exercício do poder político, economico, social, cultural.

Tudo isso o povo brasileiro e, principalmente, nossa juventude está descobrindo, e está percebendo também que as redes sociais da internet podem ser espaços publicos de debate democrático real e de organização de movimentos em praças e ruas que também se configuram em espaços públicos, uma nova Ágora, digamos assim. Claro que a Globo, a mídia, grupos da direita conservadora, fascistas, etc, podem tentar se aproveitar disso, assim como, sou obrigada a dizer, grupos da esquerda também (embora ambos precisem se renovar e repensar seus conceitos no novo mundo que se faz necessário), tentando manipular as manifestações espontâneas para os direcionamentos que lhes convém, o que não acho tão simples nem tão fácil quanto muitos discursos assustadores parecem querer fazer crer.

E aí voce começa a ver intelectuais, quase sempre com mais de 40 anos dizendo que tudo é golpe e que não existe movimento apartidário, que a juventude e o povo não sairiam de repente articulados pelas ruas sem alguém por trás, que líderes sempre são necessários, etc. Bom... é preciso que se saiba que não é “de repente”, é um movimento de rede planetária que já vem se articulando faz tempo e que no Brasil estourou agora. Também é preciso esclarecer que existe, sim, movimento apartidário quando, numa dita democracia, nenhum partido satisfaz as necessidades prementes de um povo, de um mundo, de uma nova geração. E nesse caso o povo tem, sim, todo o direito de ir as ruas dizer o que pensa, o que deseja, cobrar novas posturas, atitudes, modos de governar e de fazer política, de todos os partidos e governantes. E líderes, no sentido de organizadores das manifestações, existem. Agora, aquele tipo de liderança hierárquica, piramidal, é justamente um outro velho paradigma que o sistema de redes pode quebrar, construindo novas formas também de partilha de poder mais circular, sendo que não vejo nada de errado nisso, ao contrario, quanto mais pessoas partilham do poder, mais a real democracia é exercida.

Preocupa-me o fato de que, quando afinal a semente de manifestações legítimas por mudanças começa a nascer, logo vem essa enxurrada contraria, aliada a grupos menores de vândalos para que a semente seja sufocada e as vozes legítimas caladas. Sim, entendo que é preciso que esse movimento se estruture melhor, repense falhas, objetivos, negociações com governos, etc, contudo, calar-se e recolher-se por causa dos atos de uma minoria e do estardalhaço da mídia aproveitadora, não sei até que ponto seria o melhor a fazer. Só sei que ninguém deseja que as coisas continuem como estão. Só sei que, como disse a própria juventude do PT em nota oficial muito melhor que a nota dos mais velhos do PT, “não devemos tolerar a escalada violenta contra os atos políticos. Não devemos deixar que nos calem. Consideramos as ruas e praças públicas espaços fundamentais do exercício de cidadania e do debate democrático”. E essa é a voz não só da juventude do PT, mas creio que da maioria da juventude brasileira e do povo brasileiro, pelo que eu mesma fui ver e investigar nas ruas. E só sei que precisamos buscar novas alternativas, precisamos entender que esquerda e direita não dão conta das novas demandas e necessidades da sociedade e do planeta, precisamos dialogar,debater, pensar juntos, descobrir e criar novas formas de se fazer política e governo, onde todos/as se sintam realmente representados/as, respeitados/as e possam ter condições de vida digna e de qualidade que não fique apenas em discursos e teorias, mas se realize na prática.

E sei também que tudo isso só é possível sem violência, contudo repito que me preocupa a ideia de nos calarmos por causa de atitudes violentas de grupos minoritários que desejam exatamente isso: que nos calemos, que nos conformemos, que aceitemos as coisas como estão, ou então que desejam manipular o povo e a juventude na velha moda antiga, cujo modelo não se coaduna com os tempos atuais. Como já dizia Gandhi: a luta na resistência pacífica não tolera a violência nem reage á violência com violência, mas também não se deixa atemorizar pela violência da minoria que sempre deseja dominar as vozes da maioria. Que a nova bela semente saiba encontrar seu caminho dentro da paz, mas sem se deixar manipular nem atemorizar-se pelas vozes e ações da violência sem sentido e da minoria atrelada a discursos e ações que não a definem. Que a nova e bela semente não seja sufocada e possa crescer e se tornar ela própria, se tornar a destinação a que veio, se tornar uma bela flor da construção de uma real democracia brasileira, dentro de novos e melhores paradigmas que nos ajudem a avançar muito mais na concretização de nossos sonhos para nosso amado país.