O Abismo

O filósofo Nietzsche, havia escrito do perigo em olhar para o abismo, fazendo com que ele olhe de volta para você. A partir de tal advertência, me detenho nesse tema fascinante que empolga os seres humanos. Pois a perspectiva abissal, nos revela com seu mistério, fazendo com que possamos ir além do mero limite, mas do que isso, sugere um mergulho nas trevas, que são sedutoras. Brincamos diante dessa catástrofe, porque ela brinca conosco, nesse jogo de esconde-esconde.

O abismo é aquela sensação de impotência, quanto estamos diante do que não nos permite ir adiante. Vejam que o suicida é audaz, já que se joga naquela imensidão. Muitos param diante da fronteira, averiguando a profundidade, com o máximo que a vista lhe possibilita. Parece um imenso nada, já que o fundo não se pode visualizar. Se estamos no fundo, ela parece-nos raso e o topo se demonstra inalcançável. Mas isso não passa de perspectivas. A delícia da sedução está no mistério entre o céu, ou seja, o topo, e o inferno, o fundo. Quão mesquinhos somos olhando de baixo, desejando alçar as alturas. Quão mesquinhos somos de cima, acreditando no medonho castigo que aquele nada nos reserva. O impacto é visto e revisto, como a catástrofe do corpo que se despedaça. Matéria contra matéria.

Como a vida pode ser dura. O medo paralisa e pode também agilizar um ato. A curiosidade é uma nobreza, porque faz investigar e ultrapassar os limites que a regra da primeira razão nos impõe. Podemos cair em um abismo íntimo, onde fazemos da mente um precipício, que despenca algo dentro de nós, beirando a loucura. O apego a todas aquelas formas de sustentação, com intuito de criar alguma base de apoio diante dessa queda livre. A depressão pode ser um salto longo, com pequenos impactos antes do despedaçamento total. Eis o momento limite, em que nos deparamos com aquela linha entre o alto e o baixo, arremetendo o sujeito a enfrentar o espaço. Homem se desterritorializa, para que seu corpo possa criar aquela fantasia de Ícaro, despencando com o máximo de furor que a gravidade lhe proporcionar. Temos almas de pássaros, daí a necessidade dela flutuar, como os anjos que habitam os imaginários. Seres alados em seu desejo mais íntimo.

Parar e olhar para o abismo, é antes, deixar-se invadir por aquela imensa sensação de impotência. Como podemos resistir à insignificância que somos e que temos negar. Que um dia aparece e nos soca com o rosto, a ponto de perdermos o fôlego. Povoamos os lugares, nos empenhamos em escaladas e formas de afronta a aclives e declives, mas a natureza humana sabe a força da outra natureza que supera a sua condição limitada de espécie. O mundo nos engole em um dado momento, podendo expelir partes de nós, como restos mal digeridos. As bocas abissais são severas, engolindo o que lhes é servido. Alguns se oferecerem com pouca resistência e outros tentam sufocá-las. Caímos em si, como diz a expressão popular. Desde as lendas religiosas, que as quedas fazem parte desta nossa natureza. Por mais belo e astucioso que fosse o anjo, suas asas não o ajudarão a se levantar da queda, que irá levá-lo para o distanciamento desse topo.

A sensação de queda, é como uma tragada. Uma força maior que lhe puxa, sugando você com toda potência, por mais que oferece resistência. Ficamos caídos de amor, caímos na sarjeta, são tantas maneiras as de uma queda. Quando pequenos, aprendemos a levantar. Mas chega o dia em que nos deparamos com uma queda maior do que nossa vontade. Os planetas estão relacionados aos astros em uma queda cósmica, que vai além de nossa mera compreensão gravitacional. Se todos são levados a ela, fazendo-se inevitável cair, qual o nosso grande triunfo? A resposta está no impacto. Bem como um fragmento espacial, pode causar um abalo, como o que extinguiu os dinossauros, o homem pode irradiar através do seu impacto. Eis o mérito dos grandes nomes da história. Um sujeito pode causar uma destruição que vai alterar toda uma ordem existente. Reunindo potência, conseguirá obter o máximo de grandeza, o que fará com que se torne irresistível ao abismo devorador. Sua força ao atingir aquele solo não percebido no primeiro instante, fará surgir novas brechas naquela solidez. A destruição é a nova forma de criação, já que inova com sua fúria. Não é o homem que teme o abismo, mas o abismo que teme o homem, diante da possibilidade catastrófica que o segundo representa. Não se pode fugir da queda, mas pode-se preparar. Quanto mais descemos, mais nos apequenamos e quando subimos, somos grandiosos. Mas isso é apenas questão de perspectiva novamente.

A sordidez do abismo está em nos mostrar o vazio que também existe em nós. A malícia do homem é preencher o espaço, demonstrando que ele não está vago, mas ocupado. O homem também é uma forma preenchida, que busca alívio nas brechas, que são respiradouros diante desta asfixia. O mundo possui seus escapes e neles ambos se encontram. O abismo não é tão vazio tanto quanto o homem não está cheio o suficiente de si. A partir do momento que se encontram, um passa a fazer parte do outro, um pouco se ganha e outro se perde, eis o que implica a chamada alteridade. Não é que uma parte sua morra, ela apenas passa a existir no outro, fazendo com que ambos possam subtrair e somar em uníssono. Por isso o pesadelo do eco, que a afronta do que fala, suprimida pelo que capta o som e o leva para si, repercutindo sem o auxílio do executor. Deixa de pertencer a você e passa a habitar essa natureza maior. O abismo é nossa maior força, por ser consequência de nosso maior medo. Não é uma tragédia e sim uma comédia.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 31/05/2013
Código do texto: T4319373
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